O ar da cabana estava saturado pelo cheiro de sangue fresco. O corpo caído aos pés de Esmeralda, cobertos por couro negro, servia como um lembrete do sacrifício Ghwöniano. A alma pertencia a Xávix, o Deus da Morte. A assassina, com olhos frios e a lâmina ainda úmida, observava a mulher parada à sua frente. Noctu estranhou. O que estava morto era o grande amor da mulher, e ela sabia disso, pois fora por isso que o matara. No entanto, a mulher, conhecida como a grandiosa Guanã, Boneca de Pano, não demonstrava nenhuma das reações que Esmeralda esperava. Sem choro, sem gritos, sem pedidos de misericórdia. Apenas uma calma perturbadora.
— É isso que uma Guanã faz quando perde seu grande Fio Dourado? — Esmeralda provocou, com um sorriso nos lábios, girando a adaga negra na mão. — Ou será que você não o amava o suficiente para vingar sua morte? — Ela chutou o corpo do amante da Boneca de Pano.
A Guanã olhou para baixo por um breve momento, mas voltou a fitar Esmeralda com olhos de ébano, penetrantes e inabaláveis. Noctu não gostou daquilo. Prendeu a adaga na mão e semicerrou os olhos verdes, brutos.
— Eu conheço você, conheço sua história miserável — os olhos da Guanã traziam uma confiança que Esmeralda estava prestes a arrancar com as próprias mãos. — A Escrava dos Olhos Brutos... é assim que Olhyncös a conhece, não é? Abandonada para morrer nas geleiras de Bellinsehungten pelos próprios pais, e encontrada por Dronsëlns que a venderam para ser só mais uma escrava imunda.
Esmeralda deu um passo adiante, a lâmina pronta para o pescoço da mulher que a encheu com um sentimento que devia nitidamente controlar.
— Não sabe nada sobre minha vida — cortou suas palavras como uma de suas lâminas afiadas. — O que você diz não tem valor algum para mim. Pode encher a cabeça de qualquer tolo com baboseiras, Boneca de Pano, mas não a minha.
— Tem razão — disse, com desprezo. — O que você fez aqui hoje será pago, assassina, Noctu Scapulas. Mas não por minhas mãos.
A sacerdotisa Guanã não demonstrava medo. Ao contrário, um sorriso misterioso se formou em seus lábios.
— Está tentando me enganar como fez com todos os outros? — Esmeralda soltou uma gargalhada curta e saborosa, mas logo se conteve.
A Boneca de Pano ergueu o queixo.
— Eu não preciso te matar, Noctu Scapulas. O destino já traçou uma justiça muito pior do que qualquer feitiço ou lâmina.
Esmeralda deu outra risada, mas curta e seca, tentando esconder algum desconforto crescente que não era bem vindo.
— Destino? — zombou. — Eu faço o meu destino. Ele sempre termina com pessoas como você na ponta da minha lâmina.
A Guanã sorriu mais, sua expressão enigmática e cheia de uma certeza perturbadora.
— Matará aquele que você mais ama — afirmou com uma serenidade assustadora.
Esmeralda parou por um segundo, suas sobrancelhas arqueadas em descrença.
— Você é completamente louca — respondeu com a voz carregada de escárnio. — Não sou como você. Eu não amo ninguém. Nunca amei e nunca vou amar. O amor é um pecado imperdoável que eu jamais cometeria contra meu credo.
A mulher inclinou a cabeça como se contemplasse a ingenuidade de Esmeralda.
— Acredita que está acima da Terra Sagrada dos Reis? Que pode escapar do destino que fora traçado para você? Seu coração é uma carapaça impenetrável, assassina — riu. — Mas não por muito tempo. Você encontrará aquele que te ensinará a amar, algo para ser seu pecado favorito. E isso é o que a destruirá, o que levará para a ruína tudo o que demorou anos para construir.
Esmeralda avançou mais um passo, sua raiva cresceu de uma forma que ela era incapaz de controlar com qualquer aforismo El'rense.
— Você é patética. Deve ser um pobre coitado que com certeza marcarei para morrer — Riu, fingindo desdém, tentando esconder algum tipo de nervosismo em seu estômago. "Era isso o que uma Guanã fazia com as pessoas?"
— Ele já foi marcado por sua lâmina há muito tempo, Noctu Scapulas — a voz da famosa Boneca de Pano de Westhéon soou como um eco antigo. — O homem que você jurou odiar por toda a vida, o que a fez se transformar nesse monstro que é hoje.
Os olhos descrentes de Esmeralda se estreitaram. Esperou pelas próximas palavras como se estivesse esperando uma sentença final, sentindo um tremor idiota na espinha, até que a Guanã continuou:
— O Fruto Sagrado da Ordem Lapidada.
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𝔉𝔦𝔩𝔥𝔬 𝔡𝔞 𝔖𝔞𝔩𝔳𝔞çã𝔬
FantasyFruto Sagrado está à beira de sua condenação após permitir que Opala tomasse o poder do Caadal e após assassinar o seu próprio pai, Adamas. O Deus Diamantense que sobreviveu há milhares de anos condenados e que em seu último minuto de vida, concebeu...