XVI

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O monstro está morrendo — eu disse a mim mesmo, mas lembrei que eu já estava morto por dentro há muito tempo

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O monstro está morrendo — eu disse a mim mesmo, mas lembrei que eu já estava morto por dentro há muito tempo. O sangue que escorria por entre os meus dedos me indicava que o meu prazo estava acabando e eu sabia que precisava sair logo ou a tempestade me alcançaria em breve. Como eu havia sido estúpido por não ter pensado que isso poderia acontecer? Além da menina Aswan curiosa me seguindo e me observando por um tempo que eu era incapaz de deduzir. O que ela poderia ter visto, para ter corrido logo assim que eu a tivesse descoberto? Tivera visto o potencial que nem mesmo eu sabia que eu era capaz de canalizar? Descoberto quem eu verdadeiramente era? E caso tivesse descoberto, o que poderia fazer com isso? Tive pouco tempo para me preocupar, minha cabeça doía por exaustão e resolvi esquecer o ocorrido.

Consegui o mais importante. Libertei os Dongús e provoquei a Ordem Lapidada apenas como sendo o Filho da Salvação, ou, como os Glaudiamânticos conheciam, como o Demônio.

Caminhei trôpego até o cavalo, ainda com os dedos presos à ferida que chamejava ríspida contra o Alto Inverno e os olhos embaçando. Eu morreria logo e foi a força de vontade que me deu temeridade para separar a mão do buraco no meu estômago para se acomodar nas rédeas do cavalo negro, manchando-as com sangue assassino. Cravei os calcanhares com força nas ancas do cavalo para que eu não caísse logo quando forcei todo o meu corpo pesado para cima da sela. Gritei de dor, me punindo pelo esforço, resgatando um último fragmento de energia para acender na cor de Lápis Lazúli e dar o exato comando.

— Leve-me de volta — a voz saiu débil, quase inaudível.

O garrano corpulento obedeceu às minhas ordens e cavalgou rápido de volta à taverna, mesmo comigo ferido e quase caindo em alguns momentos, indo direto para os estábulos. Meu impulso era de ir embora, voltar para a floresta onde eu poderia encontrar remédios eficazes ou morrer num ambiente um pouco mais "seguro", consertar o meu erro de não considerar que uma curiosa fosse me seguir, sequer averiguar tudo antes mesmo de decidir arrancar informações de um guarda Diamântico. Agora eu estava pagando a minha objurgação com juros altos e quem sabe poderia ser capturado pela falta de disciplina.

Eu não podia ficar, mas não tinha alguma chance de partir deste jeito, não havia remédios para me curar rapidamente. Eu morreria aqui ou durante o percurso até Ônix. Analisei uma ideia imprudente de aceitar a ajuda de Luianda, mas retomei a consciência e obriguei o pensamento a ir embora como uma brisa raivosa.

Consegui sentir o cheiro do feno desidratado e o toque fresco de coco de cavalo assim que entramos. Deixei o garrano me guiar até um montinho de palha e desapeguei as mãos das rédeas, permitindo que o meu corpo todo escorregasse pela sela e tombasse para o lado contra a mesma cama de palha, sem cerimônia. Gani com a dor da queda. Céus, por tudo existente em Adamantem, como eu estava exausto. Não só pelas dores e contusões, mas pela minha vida e tudo existente nela.

Comecei aos poucos, deixando que os meus olhos ficassem turvos. Já havia se passado um bom tempo, pessoas comuns teriam morrido a essa altura, mas eu ainda estava lá assim como as longas vezes em que morri nas Bliguenitas, sofrendo e desfalecendo no meu próprio veneno, revivendo as palavras duras do guarda Diamântico — se está em Adamantem, está para sofrer. No fim, o ditado se parecia só mais um dos aforismos criados para o Fruto Sagrado e foi chegando nessa conclusão que lancei uma gargalhada que não durou muito tempo pois uma explosão de sangue se irradiou da minha garganta e enxarcou o meu leito improvisado.

𝔉𝔦𝔩𝔥𝔬 𝔡𝔞 𝔖𝔞𝔩𝔳𝔞çã𝔬Onde histórias criam vida. Descubra agora