O sol persistiu em se levantar preguiçosamente pelas montanhas congeladas do Norte quando observei o rio embrulhado por crostas pontudas de gelo. A falsa Esmeralda havia desaparecido com a correnteza afiada enquanto juntei um cado de água para beber e esfregar mais uma vez no rosto, procurando por algum sinal de peixe.
O céu estava levando embora a noite outrora tenebrosa que tardou em desaparecer, transformando-se em um nuance púrpuro. O horizonte era rosáceo, delicado como algumas pouquíssimas flores que se arriscavam na neve e se esticavam com o vento. Aos poucos notei a energia luminosa da Floresta do Golvo se apagar, com o olhar pesado de sono. Não havia conseguido sequer fechá-los durante a madrugada, fiquei ruminando os meus pensamentos azedos com o olhar despedaçado preso na criatura inocente.
Descansar não era uma alternativa generosa para alguém como eu, claro. Fechar os olhos por poucos minutos era pedir para que fosse caçado. Mesmo que poucas pessoas se aventassem na Floresta do Golvo, sabia que havia outras criaturas que preferiam a escuridão para saírem de suas tocas. Mas agora tudo estava claro o suficiente para que as fáceis presas pudessem enxergar, mas então as armadilhas na floresta começavam. Animais que se camuflavam nos troncos, no chão, nas paredes rochosas. Um verdadeiro labirinto de ameaças.
Abaixado e com o arco em mãos, observei as pequenas fagulhas das árvores potenciais, as Reprozas, que brilhavam tenuamente ao reflexo do dia. Soltei uma fumaça branca pela boca. Os músculos estavam rígidos de frio, mas os dedos estavam fixos na corda do arco enquanto avaliava mais um rastro na neve. As pegadas foram feitas há alguns bons minutos. As folhas tiveram sido mastigadas por pequenos dentes, e os excrementos eram novos, mas com um formato arredondado. Me encostei na Reproza para me levantar e dei alguns passos, mas então as pegadas pareciam sumir.
Talvez fosse uma ave, embora que o formato das pegadas se parecesse com as de uma lebre. Coloquei o arco nas costas e cheirei as folhas, fazendo-as voar para descobrir a direção do vento. Ele seguiu as pegadas, o que era um sinal ruim para um bom caçador, significava que o vento estava levando o fedor das minhas roupas para a sua direção.
Espanei a neve que caía nos meus cabelos negros e caminhei um pouco mais. Me abaixei e estiquei a cabeça para observar outra árvore. Era um Botaz grande, não tinha como saber se a criatura voou para se esconder, pois não dava para enxergar o topo com a bruma da manhã. Ela não podia ter escalado também. Era impossível com a pata que tinha. Continuei avaliando e de longe vi outras pegadas próximas de flores ácidas que despontavam de um freixo antigo.
Semicerrei os olhos e me aproximei, abaixando e me sentando sobre os calcanhares entorpecidos de frio. Eram as mesmas pegadas, embora estivessem mais profundas na neve. Deduzi que fossem Concus. Pareciam-se de fato com coelhos, mas tinham asas peludas e arredondadas que não serviam para voar, apenas para que pudessem dar grandes saltos com suas longas pernas e fugir de predadores como eu.
Poderia ter sorte com as armadilhas. Soren havia me ensinado muitas, como uma em que se amarrava em troncos curvados de modo que as presas ficassem longe de criaturas mais perigosas. Mas não sabia ao certo se poderia funcionar em uma floresta potencial. Dava para formar cestos equilibrados por um galho para que pequenos esquilos pudessem derrubar, mas seria estúpido. Demandaria um tempo que eu não tenho a perder.
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𝔉𝔦𝔩𝔥𝔬 𝔡𝔞 𝔖𝔞𝔩𝔳𝔞çã𝔬
FantasyFruto Sagrado está à beira de sua condenação após permitir que Opala tomasse o poder do Caadal e após assassinar o seu próprio pai, Adamas. O Deus Diamantense que sobreviveu há milhares de anos condenados e que em seu último minuto de vida, concebeu...