O começo do fim

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— E como é o meu olhar?

Taehyung girou a cabeça para trás e engoliu em seco por vê-lo de braços cruzados, apoiado no batente da porta.

***

Quando alguém nos pega praticando a famigerada fofoca, às vezes nem temos reação. Toda a gama de reações que Taehyung e Jimin poderiam ter, estava esvaziada pelo susto de terem sido pegos dizendo sem medo as suas opiniões.

Ambos os Capitães-Tenentes levantaram dos sacos de legumes empilhados. Tentavam mostrar o mínimo de respeito após suas línguas terem agido feito chicotes.

— Comandante, nós s-só… — tentando disfarçar o óbvio, a voz do Kim até falhou. Teve um branco mental. E nem adiantava olhar espantado para Jimin se nenhum dos dois tivesse uma fuga rápida que justificasse o injustificável.

Jimin tentou continuar pelo outro Capitão-Tenente, mesmo que não olhasse-o nos olhos:

— Estávamos comentando s-sobre…

— Sobre mim, claro, isso eu percebi — o comandante Jeon Jeongguk sobrepôs, sem sombra de dúvidas. Estava muito certo de ter escutado o seu nome, embora não saber do que se tratava no contexto geral daquela conversa. O teor era desconhecido, mas, nenhum dos dois tinha coragem de falar na frente dele. Seja lá o que tenha a ver com o seu olhar, encerrou o assunto por ter responsabilidades maiores no momento. — Embora eu queira saber, também há muito trabalho à nossa espera e eu preciso me reunir com os senhores.

— Não era algo bom sobre o seu olhar.

Taehyung revelou, porque foi ele quem trouxe à tona o tópico.

— Não vai ser a primeira crítica que recebo — Jeongguk agiu com normalidade. Seu tom de voz era de quem tinha capacidade de ouvir os demais com autocontrole.

— Mas também não era ruim — complementou Taehyung, sendo observado por Jimin, que agora não entendia muito bem qual era a do Kim. — Era mais sobre como eu me sinto com o seu olhar.

Jeon Jeongguk assentiu com a cabeça, recebendo a informação e inconscientemente estava olhando para Taehyung da exata forma que trazia incômodo para este. Estava apenas percebendo. Prestando atenção. Mas no silêncio, sua mente processava e ecoava as exatas palavras do Kim. "Era mais sobre como eu me sinto com o seu olhar". 

"(...) como eu me sinto (...)"

O filósofo Aristóteles já pensava os sentimentos muito antes de Taehyung e Jeongguk sonharem em ser gente. A ideia de que todas as coisas que sentimos pode estar numa escada em que os extremos são sofrimento e prazer, já era registrada. Se sofrimento e prazer regiam todas as ações humanas, restava saber e localizar o sentimento de Taehyung dentro desta escala. Se fosse receio, raiva ou nojo, estaria mais próximo um sofrimento da alma. Mas, se fosse excitação, felicidade ou admiração, se localizava na região do prazer. E claro, também poderia ser um sentimento cravado exatamente ao meio destes extremos, um sentimento tão neutro quanto o fuzileiro Park Jimin naquela conversa, apenas observando nuances que nenhum dos dois colegas de trabalho captavam entre eles.

De qualquer forma, ouvir sobre sentimento por algo que você faz espontaneamente, sempre dá aquela quebrada.

E Jeongguk teve isso. Aquele momento em que se esqueceu de contestar ainda mais os colegas de trabalho, de investir numa postura mais dura, de fazê-los assumir em sua cara todos os achismos pessoais. Aquilo quebrou, lhe fazendo perder a continuidade.

Descruzou os braços, trocou o peso do corpo para outra perna e, com a mão que usava a aliança de noivado, colocou a mecha de fios brancos para trás da orelha. 

Ultramar [taekook]Onde histórias criam vida. Descubra agora