- Ele é o Papai Noel? - uma voz fina sussurrou, acompanhada por um arquejo de surpresa. - Achei que ele seria mais gordinho... e mais velhinho.A montanha de lençóis, edredons e colchas movia-se lentamente no ritmo da respiração contínua do homem. Seus lábios ainda estavam roxos feito uma ameixa, mas não havia mais neve em seus cílios ou sobrancelhas, nem mesmo pedrinhas de gelo em formato de lágrima nas bochechas.
O ambiente estava quente pela lareira rapidamente acesa, os dois aquecedores próximos ao sofá e as luzes amarelas estrategicamente posicionadas na direção dele. Mas as mãos de Harry ainda tremiam, como se ainda sentisse o corpo gelado que trouxe para dentro grudando em sua pele, como se ainda removesse a neve dos cabelos lisos enquanto abafava o próprio choro como uma criança que tenta limpar a tinta derramada no dever de casa, como alguém que tenta apagar um incêndio com as próprias mãos.
Não conseguia processar o que tinha acabado de acontecer, quem estava ali, na sua frente, mais morto do que vivo.
- Será que o trenó dele quebrou? - Aggie perguntou, atrás de si, com olhos verdes esbugalhados. - Harry! - Ela se exaltou, balançando seu braço com suas pequenas mãozinhas. - E se as renas estiverem perdidas lá fora? Precisamos resgatá-las!! Elas podem estar com fome e com frio e tristonhas e... sozinhas. - disse, fazendo um bico de choro no final.
Harry a olhou, engolindo em seco quando percebeu que ela estava, de fato, prestes a chorar. Ele teria sido mais silencioso ao acender a lareira caso seu corpo não tremesse tanto a ponto de não conseguir segurar as coisas decentemente. E digamos que desde o começo do mês, Augustine não dormia direito (não dormia direito há mais tempo, ele sabia. Na verdade, nenhum deles conseguia dormir há um bom tempo) graças àquela obsessão em conseguir flagrar o Papai Noel, então é compreensível que a garota tenha despertado assim que as estacas de madeira começaram a se mover.
- Está tudo bem, querida. - ele murmurou, sem qualquer força para sequer falar, acariciando suas bochechas e seu cabelo antes de puxá-la para um abraço.
- Está com frio, Hazz? - Aggie perguntou, brincando com seus cachos.
Ele fechou os olhos e respirou fundo, tentando controlar a tremedeira das mãos, tentando se convencer de que estava tudo bem, pensando que tudo não passava de um sonho, um pesadelo, um delírio. Estava tudo bem, estava tudo bem.
Harry abriu os olhos. Louis ainda estava lá, envolto em dezenas de espécies de panos. Sem sinal das orbes azuis. Sem sinal dos lábios vermelhos. Ele ignorou a queimação no nariz, atrás dos olhos, fungou, piscou uma, duas vezes.- Não. - Ele a afastou, afagando seus ombros sobre o suéter grosso. - E você? Está com frio?
- Não. - respondeu, prendendo uma mecha de cabelo atrás da orelha. - Você tem certeza que ele não é o Papai Noel? - E olhou para Louis, inerte.
Harry suspirou, passando as mãos pelo rosto e sentindo seus anéis darem pequenos choques gelados em sua pele.
- Não, não tenho. - E foi sincero. Era melhor que aquele fosse o Papai Noel do que Louis.
- Podemos ficar com ele? - Aggie perguntou, virando-se repentinamente para Harry com um sorriso de orelha a orelha. - Ah, por favor, Harry!! Olhe como ele é bonitinho, olhe as bochechinhas, olhe como o cabelo dele é lindinho. - disse, dando pulinhos, antes de debruçar-se na ponta do sofá, estendendo uma mão para arrumar a franja que cobria os olhos de Louis.
Harry fez uma careta, como se ela tocasse algo perigoso, suspeito, algo que nem ele conseguia tocar - não mais, não depois de tanto tempo.
Era estranho. Tão estranho. Parecia não ser ele, parecia uma miragem, alguém que teve a sorte de se parecer tanto, uma cópia, um clone, uma piada. Ele rezava silenciosamente para não ser Louis, embora fosse, para ser qualquer um, mas era ele, para que tudo aquilo fosse um engano, não era, para que sua memória estivesse tão ruim a ponto de não conseguir perceber que aquele ali não era Louis - mas era, era era era, era ele. Harry podia inventar todas as desculpas possíveis para amenizar sua ansiedade, mas nunca, nem em um milhão de anos, confundiria aquele rosto, ou o esqueceria, ou acharia alguém minimamente parecido; não ele, não Louis.
- Aposto que Nana adoraria ter um amiguinho novo, não é Nana? - Ambos olharam na direção da São-bernardo que assistia tudo deitada nos pés de Louis. Harry não se lembrava de vê-la subindo no sofá.
- Aggie, nós não podemos simplesmente adotá-lo.
- Eu sei. - disse, entristecendo. - Mas para onde ele vai, então?
- Eu não sei, querida.
- Como ele chegou? Desceu pela chaminé ou entrou pela janela? - perguntou, afagando os cabelos de Louis.
- Estava na porta. - Harry ainda tinha as imagens nítidas na cabeça: olhava a neve cair, alugado pela insônia novamente, quando viu um homem cair junto e ficar no chão, inerte, imóvel, congelado. O resto era um conjunto de flashes desconexos onde ele corria para fora, mal tendo tempo de enfiar os sapatos, encontrando um homem congelado no escuro, o qual ele carregou para dentro instantes antes de reconhecê-lo, aquele rosto, congelado, paralisado, coberto por uma fina camada de gelo. Aquele rosto. Depois fora uma confusão de lágrimas entaladas e uma dor dilacerante no peito.
- Ele tocou a campainha? - Fez uma cara pensativa. - Não sabia que eles tocavam campainhas. Será que esse é um aprendiz? - Aggie deu um salto, como se algo passasse pela mente. - E se ele for um elfo? Olha como ele é pequenino e adorável, elfos geralmente são pequenos e adoráveis assim... Se ele for um elfo, precisamos ajudá-lo a chegar no Polo Norte quanto antes!! Será que o Papai Noel nos convida para o jantar caso a gente ajude seu pequeno companheiro?
Harry havia parado de escutar, não escutava mais nada. Ele comprimiu os olhos na direção de Louis, tendo a distante e estranha sensação que algo ali havia se movido, um pequeno contrair de músculos, um pequeno suspender de lábios (apenas o canto esquerdo); despretensioso, delicado, quase imperceptível, mas nocivo o bastante para quem o conhecesse: repúdio, puro e simples repúdio.
Ah...
- Aggie, podemos pensar nisso amanhã, não acha? Já está tarde, e você deveria estar na cama, senhorita. - Harry disse, engolindo em seco, desviando seus olhos de volta para Aggie, levantando-se.
- Ah, Hazz, agora não, por favor. - pediu, fazendo bico e puxando a mão de Harry. - E se ele acordar? Quero falar com ele, perguntar tudo sobre presentes e o Papai Noel e as renas e o Polo Norte.
- Você pode fazer isso amanhã, Aggie, prometo. - Harry não se permitiu pensar no amanhã, ou no fato de que amanhã Louis ainda estaria no seu sofá.
- Promete? - perguntou, coçando os olhos de sono.
- Prometo. - disse, pegando-a no colo.
- De dedinho? - E ergueu o dedo mindinho.
- De dedinho. - Harry enlaçou os dois dedos mindinhos.
- Tá. - disse, simplesmente, deitando-se em seu peito e permanecendo quieta até ser colocada na cama.
- Você vai estar aqui quando eu acordar, não vai? - Aggi sussurrou na penumbra de seu quarto, o rosto fofucho parcialmente iluminado pelo abajur de bonecos de neve (este temático do Natal, assim como os de dinossauro, coelhinhos da Páscoa, Barbie e de fazenda guardados no armário).
- Sim, querida, estarei. Todas as vezes que você acordar, estarei aqui. - disse, sentindo seu coração apertado, seus ombros pesados. Ele afofou os cobertores e arrumou a franja de Aggie antes de beijar sua testa.
- Obrigada, Harry. - agradeceu, como agradecia todas as noites, os olhos marejados.
Ele sorriu antes de beijá-la mais uma vez, sussurrando um "boa noite" ao sair do quarto, deixando uma fresta na porta para que o cômodo não ficasse totalmente escuro.
Harry voltou para seu lugar na sala, comprimindo os olhos para um Louis "imóvel" novamente. Ele olhou para Nana, agora sentada ao lado do sofá, abanando o rabo alegremente para o Elfo do Papai Noel.
- Como ator, você é um ótimo ajudante de Papai Noel.

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Ever Since New York {l.s}
Fanfiction[Shortfic] Aquela onde Louis está sem rumo, andando pelas ruas escuras de um país qualquer, e pede ao Papai Noel por uma salvação. Ou. Aquela onde Harry luta todos os dias contra os fantasmas de uma vida passada, e acaba sendo a salvação de seu ant...