um encontro de almas|parte 1

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"Uma estrela poderia ser repartida em três? Porque você parece ser a alma gêmea de nós dois"

fragmentos de 22 histórias de amor mal rabiscadas

Natal de 2020

O treinador do Tottenham apressava aos gritos os 6 jogadores selecionados por ele para uma campanha beneficente do time, todos de máscaras, com testes negativados e com seu kits de álcool em gel, mais máscaras, uma garrafinha de sabonete líquido e, claro, trajes de papai noel que eles ainda não haviam vestido, principal motivo da fúria do treinador.

Richarlison olhava para o traje animado, gostaria de perguntar ao treinador se eles iriam fazer parte de um carreta furacão versão natalina x inglesa, mas nem ele e muito menos seus companheiros iriam entender a referência, por isso o brasileiro limitou-se a rir sozinho

- O brasileiro animado assim deve estar contente para saber o que é o natal, acho que no Brasil eles não têm isso -alguém proferiu baixinho, tão baixo que Richarlison nem conseguiu identificar a voz mesmo já familiarizado com todos do time. Ele não reagiu.

- não acho que ele entenda a nossa língua - outra pessoa completou e, dessa vez, Richarlison tirou o sorriso do rosto, parou de olhar a vestimenta em suas mãos e seguiu em passos firmes para o vestiário.

Ele não se importava com as ofensas, em parte elas eram proferidas por ignorantes que não conhecem nem sequer 1% do Brasil e sua cultura, mas o seu inglês ainda era um assunto delicado para o jogador, ele vinha dando tudo de si para aprender a língua. No fundo, ele pensava que era algo meio bobo se importar com algo assim, mas não podia evitar se sentir daquela maneira.

Richarlison nunca foi um aluno de excelência, ele não se importava tanto em ser já que o seu maior sonho era ser jogador e, bom, você não precisa saber sobre a influência da arte europeia nas obras de Tarsila do Amaral para poder fazer um gol, certo?

Mas, apesar de não se importar tanto em atingir boas notas, Richarlison não se sentia nada bem quando seus colegas riam dele por suas notas baixas ou seus deslizes nas corriqueiras provas de pronúncia da língua inglesa em cada início de semestre. De certa forma, o comentário daquele inglês fez o brasileiro ter seus piores gatilhos ativados.

[]

- vocês são tão malditamente ridículos que me sinto ofendido de ter que compartilhar o campo com vocês

Son ousou dizer assim que Richarlison deu as costas, o coreano já foi alvo de piadas semelhantes e não estava disposto a defender o brasileiro, pois sabia que isso seria o mesmo que pintar um alvo em sua testa, poderia até piorar as ofensas dirigidas ao colega de time. Mas, ao ver o brilho do brasileiro sumindo junto com seu sorriso, o estômago de Son revirou e ele nem sequer teve controle sobre o que saía da sua boca, agora, vendo os sorrisos diabólicos no rosto dos ingleses, ele só poderia pensar -estou fodido.

Apesar de tudo, Son sabia que poderia usar o fato de ser um dos jogadores mais importantes da equipe para barrar o racismo e xenofobia e, por isso, os jogadores ali não se atreveriam a mexer com ele, ao menos era o que o jogador pensava.

Esse pensamento se esvaiu como uma cortina fina de fumaça assim que o coreano voltou do vestiário vestindo a roupa de bom velhinho.

As vozes abafadas pelas máscaras tomaram conta dos ouvidos do camisa 7 e seu corpo logo enrijeceu. Era tolice achar que europeus, brancos e em seu país de origem se sentiriam intimidados por um sul-coreano, a direção do clube certamente iria proteger os meninos ingleses, afinal, nunca é racismo ou xenofobia, são sempre brincadeiras entre colegas de clube e isso era o passe livre deles para fazerem o que bem-quisessem com Richarlison, com ele e com qualquer outro estrangeiro do time.

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