machucados

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E você meu amigo galvanizado, quer um coração. Você não sabe o quão sortudo é por não ter um. Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem

- O mágico de Oz

Richalison ainda estava no próprio carro mesmo já estando em casa, nas suas mãos a carta que o motivou a ir até à casa de Son.

O plano era confrontar o coreano sobre o que estava escrito naquele maldito papel, mas o ódio se apossou tão rápido de seu corpo que Richarlison se perdeu de seu objetivo inicial.

Apesar de encarar a carta, a mente de Richarlison estava presa na situação que viveu com Son alguns momentos atrás, a voz do mais velho ressoava em sua cabeça de uma forma insuportável, quase dolorosa

- Xenofobia, Richarlison. Ela estava sofrendo ataques xenófobos por parte das crianças que compartilham a mesma casa que ela, que vão a mesma escola que ela, que fazem a mesma atividades, que se alimentam no mesmo refeitório, da mesma comida, da mesma água. Pense, se para nós que vivenciamos isso em campo e somos adultos já é difícil, imagine para uma criança como ela, tendo que conviver diariamente com seus agressores.- Richarlison não emitiu resposta naquele momento, sua mente estava nublada demais para ele conseguir formar uma resposta, pronunciá-la no seu inglês abrasileirado estava fora de cogitação, não soaria audível nem para um brasileiro. O silêncio do camisa 9 fez Son continuar.

- E-eu não queria mentir, nem omitir nada de você. Acabei por agir sem pensar, no desespero e no calor da emoção, talvez por conta dos comentários racistas e xenofóbicos serem motivados pelo fato dela ser amarela, e os asiáticos estarem sendo ligados erroneamente ao vírus. Isso me atingiu em lugares que eu jurava já ter superado- ele suspirou, tentando organizar seus pensamentos de forma coesa- Quando me dei conta já tinha feito o que fiz e, bom, já era tarde demais para voltar atrás. Além disso, tive medo de que se contasse, você me odiaria, mesmo sabendo que um dia iria acontecer... que você iria saber, por mim, por outra pessoa ou por conta própria, sei que foi uma atitude covarde, mas preferi prolongar o máximo que pude. Não sou nenhum santo, mas jamais faria algo assim com você por nada... Só achei que seria o melhor, você mesmo disse que não estava pronto, lembra? Eu...

Richarlison tentava assimilar as palavras em inglês enquanto sentia os braços de Son lhe apertarem mais a cada frase. Mas, ao ouvir a última frase, ele simplesmente não conseguia mais se segurar, era como se a raiva voltasse em dobro, talvez estivesse triplicada. Ele estava cego de ódio, mal viu quando o corpo de Son foi parar no chão pela primeira vez, inclusive, achava que era apenas uma atuação do coreano para lhe provocar alguma comoção.

Com fúria de um animal bravo que buscava marcar seu território, Richarlison agarrou Son pela gola da blusa, o afastando um pouco do chão e então se permitiu esbravejar o que sentia sem se preocupar se outro entenderia a pronúncia.

Você se aproveitou do que eu te contei- ele soluçou e só então Son pode notar que ele chorava- te contei q-que eu não estava pronto, porque confiava em você, porque achei que você fosse meu amigo. E então você se aproveita disso para se sentir menos mal pelo que fez, para justificar sua atitude para si próprio porque você sabia que o que estava fazendo era errado. Foram dois meses. Dois meses que você me fez de trouxa. Dois meses que você passou ouvindo minhas inseguranças pelo telefone e me confortando como se estivesse alheio a suas próprias atitudes. Não me venha usar o que eu disse para se sentir menos mal, ou para tentar amenizar a situação. Você sabe que eu faria qualquer coisa pela Sam, eu poderia sanar qualquer que fosse a insegurança no processo, apenas para protegê-la- ele pausou as palavras, o seu pomo-de-adão se movendo rápido demais, demonstrando que ele engolia as palavras (mas não o ódio) - não vou comprar essa sua narrativa, seu filho de uma puta.

Photograph (2SON) Onde histórias criam vida. Descubra agora