。✧˚ prólogo.

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Esse capítulo contém menções a transtornos alimentares. Se você é sensível a esse tipo de conteúdo, sugiro que leia o capítulo com cuidado.

Maitê.

Palmas, TO.

06 de fevereiro de 1996.

Eu não tenho lembranças tão concretas daquela época. Talvez, pela pouca idade, tudo parecia um pouco abstrato. No entanto, eu lembro de percorrer os corredores daquela escola sentindo um intenso sentimento de frio na barriga.

Até o ano anterior, que havia marcado o encerramento do meu primeiro ciclo na escola, o jardim de infância, eu estudava em uma pequena escola de bairro; o ambiente onde tipicamente todos conheciam todos e as turmas de alunos nunca excediam dez crianças.

Aquela escola em particular era longe da minha casa. E ali, transitando pelos corredores, nitidamente haviam mais do que apenas dez crianças. Sozinha naquele ambiente, agarrei com firmeza as alças da mochila. Conforme eu caminhava, observava aquele corredor horrorizada com o quanto tudo parecia proporcionalmente maior; dos bancos as janelas das salas, tudo naquele ambiente soava estranho e intimidador.

Com licença. — senti o toque contra os meus ombros, gesto que fez com que eu me encolhesse ao me virar de frente e encarar a pessoa. Encontrei, à minha espera, uma moça de sorriso leve e semblante sereno. Ela parecia simpática — certamente mais simpática do que qualquer outra pessoa naquele ambiente estranho. — Qual seu nome, meu bem?

Eu pisquei algumas vezes. Ela ainda me observava com cautela, mesmo que os gritos no ambiente fossem intensos. Eu não sabia dizer se aqueles gritos eram devido a empolgação pelo reencontro de colegas de sala ou o espanto de estar em uma nova escola — porque sim, a segunda opção parecia possível para mim. Naquele momento, eu apenas me questionei se poderia confiar nela, mas, não havendo outra opção, cedi, murmurando de forma contida:

— Maitê.

— Maitê do que?

Maitê Ribeiro Queirós. — precisei buscar no fundo da mente e acabei me recordando das incontáveis vezes em que mamãe havia repetido meu nome por extenso.

— Maitê, eu vou procurar a sua sala e te levo até lá, 'tá' bom? — eu não assenti. Eu não conseguia entender o que ela pretendia, mas não pareceu preocupá-la. — Enquanto eu vou dar uma olhadinha, você fica paradinha aqui, certo?

De novo, eu não confirmei. Eu não conseguia compreender com exatidão o lugar em que eu estava ou que as pessoas à minha volta diziam, mas ela confiou em mim ao me dar as costas e se dirigir a pequeno círculo de pessoas no entorno de um balcão.

Eu percebi, naquele curto intervalo de tempo, olhares dirigidos a mim. Por toda a minha infância — aqueles exatos sete anos até então — eu havia sido vítima de comentários extremamente enfáticos sobre a minha aparência — e não em um bom sentido. Eu tinha plena consciência de que eu era um pouco mais cheinha do que outras crianças da minha idade tendiam a ser, mas aquela era a minha aparência, o corpo com o qual eu nasci e cresci. Era difícil entender aquele tipo de comentário maldoso quando aquele corpo era tudo que eu tinha. E mesmo assim, ninguém parecia se importar.

Em anos anteriores, quando eu mencionei o assunto com minhas professoras ou até dentro de casa, para os meus pais, tudo o que eu ouvi é que eu estava mesmo acima do peso. Ninguém se dispôs a me ajudar ou perguntou como eu me sentia diante daquilo. Pelo contrário, o maior esforço feito pela minha mãe naquele momento foi me dizer que eu deveria fechar a boca. E, embora ela estivesse empenhada , até aquele momento, sua tentativa ainda não havia funcionado.

Intempérie | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora