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Maitê.

Toronto, CA.

24 de março de 2025.

Você tem certeza? — as palavras do meu pai parecem colocar tudo sob uma nova perspectiva.

Há quatro anos atrás, minha vida estava se encaminhando para o maior plot twist que eu já vivi — maior ainda do que me mudar de país de forma tão abrupta aos dezesseis anos de idade. Eu vivia um relacionamento instável, fadado ao fracasso, que acabaria nas semanas seguintes e que, apesar de não me causar uma fossa pavorosa, mexeu comigo em outros aspectos terrivelmente sensíveis.

Durante aquele período complexo, embora não necessariamente conturbado, eu segui vivendo um dia após o outro, tentando não me lamentar por pequenas decorrências da vida. Minha vida sempre foi cercada por inconstâncias, então, planejamento nunca foi uma questão primordial para mim; às vezes — e, por às vezes, talvez eu queira dizer muitas — essa inconstância não era algo que me reconfortava, embora também não me incomodasse ao ponto de querer fazer algo concreto. Era o tipo de coisa ao qual eu já estava acostumada e, ainda fosse incômodo, eu não via uma alternativa plausível.

O meu breve envolvimento com Henrique, consequência de uma série de ideias e pensamentos extremamente impulsivos, teve dois resultados imediatos: Matteo, meu filho, o que foi uma surpresa muito inusitada e complexa, afinal, eu não tinha nenhum amparo, nem sequer condições psicológicas de criar uma criança sozinha, embora tenha descoberto que ser mãe, durante todos aqueles anos, foi um desejo inconsciente. Foi a partir dessa dificuldade e dos desafios da maternidade que o segundo resultado se desenvolveu: um relacionamento sério, contrariando a tudo que eu mesmo acreditava.

Eu conheci Elliot poucas semanas após a descoberta da gravidez. Ele era conhecido de um amigo e acabamos indo ao mesmo bar, com o mesmo círculo de amigos, embora eu nunca tivesse o visto até aquele momento. Como um homem alto, de sorriso atraente, eu me vi fascinada pela sua aparência, mas fui resistente a ideia; eu ainda era uma mulher grávida, solteira e um pouco receosa com toda a situação.

Para a minha surpresa, ele deu em cima de imediato. Eu recuei, muito acanhada e machucada, tanto por Henrique quanto por aquele término de semanas antes. Eu não tinha intenção de me envolver com ninguém durante aquele período; eu estava vivendo apenas por mim e pelo bebê e, contanto que estivesse tudo bem com ele, logo, também estaria bem comigo. No entanto, Elliot não soube ouvir um não. A partir daquele dia, ele encontrou uma forma de se fazer presente na minha vida, até que eu cedesse, mesmo a contragosto. E, durante três anos após aquilo, tudo foi lindo.

Elliot era o sonho de consumo de qualquer mulher. Um homem carinhoso e prestativo, que sempre fazia de tudo para agradar, fosse chegar em casa com chocolates em todas as visitas a se recusar a deixar louça na pia após um jantar — gestos simples, que não deveriam ser extraordinários, mas que me chamaram a atenção, sim, sendo totalmente sincera.

Mais do que isso, Elliot assumiu um papel que não deveria ser seu. Ele esteve comigo em muitas noites em claro de Matteo. Estava ao meu lado sempre que eu desabava, me lamentando pela maternidade solo e a forma como aquilo me sobrecarregava e me sufocava. Ficava com meu filho para que eu pudesse fazer coisas simples e cotidianas, desde tirar um cochilo a me socorrer as incontáveis que o Matteo precisou ir ao hospital.

Talvez meu sentimento por ele fosse mais deslumbre do que necessariamente amor. Por mais que eu estivesse sim apaixonada por ele, o que mais me atraia na nossa relação era aquele sentimento de conforto. Eu nunca quis nada mais do que aquilo; do que uma pessoa para dividir a vida, fosse em momentos bons ou ruins. E, ainda que tudo tenha sido perfeito por mais de três anos, ele não hesitou em me dar as costas de maneira abrupta.

Intempérie | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora