。✧˚ dez.

231 11 7
                                    

Maitê.

— E como as coisas têm ido?

Quando a pergunta ecoa pelo celular, ainda que a intenção do meu pai seja ser sucinto e, à primeira vista, despretensioso, a malícia não fica isenta do seu tom de voz.

Respirar fundo se torna a minha única escapatória por um momento, já que driblar a pergunta certamente não é. Encaro a dela com certo desdém, mas o sorriso igualmente sugestivo me diz que se eu me esquivar da pergunta, ele vai repeti-la. É, eu estou ferrada.

O celular está apoiado sobre a cama enquanto eu pacificamente pinto as unhas da mão, equilibrando o pincel sobre os dentes para poder limpar o cantinho borrado. Na tela, a chamada de vídeo reflete a imagem do meu pai trajando óculos redondos, confortavelmente sentado sobre a poltrona da sala, com um ar de descontração que certamente não condiz com o assunto — mas não que ele se importe.

— Você quer dizer como as coisas têm ido com ele. — Corrijo ao torcer a boca, incapaz de disfarçar meu descontentamento. José, por sua vez, disfarça uma risada.

— Bom, sobre o Matteo eu sei. — Sua voz tende a soar um pouco mais áspera conforme ele se mexe de maneira desconfortável, como se o corpo tivesse se acostumado aquela mesma posição. — Você fala dele toda vez que eu te ligo. Mas, toda vez que eu tento perguntar sobre você, você me dobra, Maitê.

O sorriso do meu pai é solidário. Mesmo através de uma chamada de vídeo, separados por uma distância de nove mil quilômetros, ele ainda se empenha na procura por uma maneira de demonstrar que eu posso ter confiança nele. O meu suspiro cansado, no entanto, é a melhor resposta que ele poderia ter — vaga, mas concreta.

— Eu não te disse nada porque eu não tenho o que dizer, não porque eu estou evitando alguma coisa. — Argumento, cobrindo a unha do indicador com uma generosa camada de tinta. Meu pai revira os olhos perfeitamente enquadrados pela armação dos óculos.

— Maitê, eu te conheço há trinta e cinco anos. Você pode achar que está mentindo para mim, mas eu sei quando você não está sendo sincera. Eu sempre soube. — A maneira como eu evito olhá-lo certamente comprova a asserção de que ele não está inteiramente equivocado. É o incentivo restante para forçá-lo a me perguntar: — O que está acontecendo, filha?

É, talvez eu devesse me convencer de que mentir para o meu pai é inútil. Preciso respirar fundo por um momento, mas minha resposta, quando saí, ainda é suficientemente vaga:

— Além do óbvio? Não muita coisa.

— E o que seria o óbvio, Maitê?

Encolho os olhos e cesso o gesto, sabendo que eu sou incapaz de continuar pintando as unhas como se tudo estivesse perfeitamente bem. Bem não é a palavra que eu usaria para descrever essa situação, em nenhuma circunstância.

Desde que deixei a casa de Henrique abruptamente na semana passada, ele não tentou falar comigo de novo. Nós temos conversado, e ele chegou a vir buscar Matteo hoje com o pretexto de passarem o dia juntos, mas ele nem uma vez sequer se esforçou para puxar assunto fora o estritamente necessário.

Eu sei que fui eu quem fugi naquele dia. Sei também que ele possivelmente espera que uma atitude parta de mim para uma possível reconciliação — embora eu não ache esse o termo mais apropriado — mas o que me impede de avançar e me faz dar para trás toda vez, além do orgulho eminente, é o medo considerável de que nada disso seja recíproco e aquelas palavras que deixaram a boca de Henrique naquele dia sejam apenas palavras vagas. Eu ainda não me sinto pronta, e nem sei se um dia vou conseguir me sentir.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Apr 08 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Intempérie | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora