。✧˚ três.

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Henrique.

Palmas, TO.

28 de abril de 2021.

Acordar embalado pelo calor de Maitê me trouxe sentimentos ambíguos. De início, ao vê-la com a cabeça deitada contra o meu peito, totalmente despida, com o rosto tão relaxado e os cabelos espalhados pela minha pele me fez pensar como eu, dezesseis anos antes, nunca teria imaginado que essa situação um dia poderia de ser um devaneio gigantesco para se tornar realidade. No entanto, ainda que eu quisesse, eu não poderia agir como toda aquela situação fosse moralmente correta. Eu estava errado. Pra caralho. E o meu subconsciente me lembrava daquilo a todo momento.

Tomar a decisão de me levantar da cama não foi fácil, no entanto, eu não tinha mais idade para agir com tamanha imprudência. Era hora de começar a encarar a minha realidade; aquela noite com Maitê havia sido um sonho, mas nunca deveria ter passado de um. Eu me deixei levar pela emoção e não me questionei em momento nenhum o que eu estava prestes a fazer ou como isso poderia magoar Fernanda; talvez nosso casamento já estivesse fadado ao fracasso, mas dormindo com Maitê eu estava apenas colaborando para que acontecesse. Minha família merecia mais do que aquilo; Fernanda também.

Enquanto eu vestia minhas peças de roupa, recém recolhidas do chão, observei Maitê com ainda mais atenção. De bruços, a visão das suas costas soava como um convite formal para que eu largasse tudo e me juntasse a ela, mas eu não podia. Eu precisava me lembrar daquilo a todo momento.

Ao deixar o hotel, fiz questão de pagar pela suíte e de pedir que avisassem Maitê que eu havia precisado ir embora, caso ela viesse a perguntar. Eu não era ingênuo, eu sabia que eu também estava errando com Maitê, mas eu precisei fazer uma escolha e minha família sempre viria à frente.

Passava das onze quando cheguei em casa. De longe, ao descer do carro, senti aquele aroma de comida caseira que não apenas preencheu minhas narinas, mas, outra vez, me fez colocar em perspectiva o que eu havia feito naquela noite. Eu traí a minha esposa, enquanto ela passava a noite sozinha com nossos filhos — noite aquela na qual eu havia me comprometido a estar com ela. E lá estava u, prestes a entrar em casa com a roupa da noite passada e o perfume de outra mulher e mentir para Fernanda, porque eu não seria capaz de dizer a verdade.

Ah, você chegou! — perdido nos meus próprios pensamentos, não cheguei a perceber o momento em que Fernanda deixou a cozinha, alcançando a área externa. — 'Cê' 'tava' até agora bebendo?

— O que? — questionei, sem saber onde ela pretendia chegar.

— O seu irmão me disse que você tinha ficado no bar, com uns amigos. 'Cê' 'tava' até agora lá?

Precisei balançar a cabeça algumas vezes para afastar meus devaneios e conseguir me concentrar na situação. Fernanda não soava hostil e sua postura certamente não era ressentida, mas havia uma ambiguidade no seu tom de voz. Ela sabia. E não pretendia falar.

— É, eu... — segui balançando a cabeça, sem saber como me expressar — ou o que dizer. — ...acabei passando um pouco dos limites, eu acho.

Tudo bem. A Alice 'tá' quase terminando o almoço, seria bom você subir e tomar um banho para tirar o cheiro de bebida. As crianças não precisam sentir.

Eu abri a boca, procurando por palavras que fossem a altura para respondê-la, mas não consegui elaborar uma desculpa sequer. Apenas assenti e segui para dentro de casa, ignorando a reação de Fernanda.

Meu banho foi demorado. Deixei a água corrente cair contra o meu corpo, desejando me esquecer da noite anterior. No entanto, quanto mais eu me forçava a focar no presente, mais eu revivia aquela noite. Dos toques de Maitê, a sensação dos seus lábios percorrendo a minha pele, eu tive, naquele momento, o pensamento de que eu daria tudo para viver outra noite como aquela. Não que o sexo com Fernanda fosse ruim, mas depois de dois filhos, havia se tornado algo tão burocrático que o tesão às vezes era reprimido mesmo quando nós conseguíamos transar.

Intempérie | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora