Henrique.
Há uma semana Maitê não conversa comigo.
Ela não tem evitado minhas mensagens, nem me privado de conversar com Matteo. Não apenas não tem feito esforço para nos afastar, como tem nos deixado fazer chamadas de vídeo com frequência e incentivou Matteo a aceitar o convite para passar um dia comigo na semana que vem — o que, sinceramente, foi uma grande surpresa.
Mas, apesar do empenho em não me privar do contato com o nosso filho, a partir do momento em que a conversa deixa de ser sobre ele, Maitê deixa de me responder.
Por vezes, um simples "tudo bem?" acaba sendo ignorado com o mesmo desprezo de todas as vezes em que pedi para conversar com ela. E, a essa altura, eu começo a me sentir cansado.
Eu entendo que ela esteja chateada. Entendo que ela talvez não queira mais se relacionar comigo de maneira alguma, apesar da natureza da nossa relação não ser propriamente definida. Mas, independe de qual seja a decisão dela, nós não podemos nos dar ao luxo de agir como dois adolescentes ressentidos. Nos falta uma conversa honesta sobre os nossos sentimentos, pela maneira como eles podem afetar o Matteo.
Hoje é terça-feira. Busquei as crianças na casa de Fernanda no final da tarde de ontem. Ainda não tive coragem de mencionar Matteo para ela porque isso implica em dizer que eu tive um filho fora do casamento enquanto ainda estávamos juntos. Apesar de saber sobre a traição, eu imagino que ela não vai se sentir feliz com a notícia — e nem porventura julgaria ela nessa situação.
Há algumas semanas eu tenho me esquivado das suas investidas. Ela sabe que há algo acontecendo, apenas não sabe que eu estou tentando delimitar limites para nós. Eu não tenho pretensão nenhuma de ter algo que não seja meramente carnal com Fernanda. Nós já provamos que não funcionamos enquanto casal e, honestamente, há uma única mulher que me interesse — e ela não está exatamente falando comigo no momento.
Depois do almoço, quando eu precisei descer ao pasto, pedi para que minha mãe ficasse com as crianças. Disse que tinha algumas pendências para resolver, o que é mentira, mas Bernardo e Sofia exigem atenção por demais, e eu precisava de um minuto para espairecer sem duas crianças brigando no meu ouvido por um motivo novo a cada cinco minutos.
Com um cigarro preso em mãos, vejo de relance a represa a minha frente. O movimento da água reflete os raios de sol nessa tarde quente. Em um vislumbre rápido, vejo alguém se aproximando, mas me contento com a ideia de que seja apenas um funcionário da fazenda, até que a voz se sobressaía, chamando por mim:
— Henrique!
Ergo os olhos de novo. Trajando um vestido solto e sandálias, Maitê parece ter certa dificuldade para descer o campo levemente íngreme. Eu rio da sua falta de jeito quando ela ergue os braços na tentativa de encontrar equilíbrio e corro sutilmente na sua direção até tomar sua mão e ajudá-la a descer o curto trajeto.
— Obrigada. — Ela me agradece ao firmar os pés na grama. Segurando a barra do vestido, me parece destoar ainda mais do ambiente. Isso faz com que eu me pergunte com ainda mais ênfase o que ela está fazendo aqui.
— Resolveu fazer um passeio? — Sugiro, desdenhando da situação. Ela revira os olhos para mim quando me vê tragar o cigarro, com uma pose despreocupada.
— Eu vim conversar com você.
— Na fazenda?
— É onde eu tô, não é? — Sua entonação não é de desdém, ainda que pareça a intenção pela sua escolha de palavras.
Olho ao redor para me certificar de que isso está mesmo acontecendo. Me parece inusitado. Muito inusitado.
— Como é que você entrou aqui, pra começo de conversa? — Estranho. Ela revira os olhos, certamente se questionando sobre a minha reação, e então murmura:
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Intempérie | Ricelly Henrique
RomantikIntempérie é uma palavra de significados extremos. Pode-se referir a fenômenos climáticos intensos ou a catástrofes lastimáveis. Nessas circunstâncias, também pode ser usada para definir o relacionamento entre Maitê e Henrique; curto e intenso, na m...