Visão de Ano Novo.

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- AAAAAAAAAAAI!!!!!!!!

- Shhhhh... tá tudo bem. É pelo nosso bem. Eu fiz rapidinho não foi? Agora você só precisa manter suas pálpebras fechadas, eu vou te enfaixar assim e em alguns dias sua dor irá passar.

- Eu não consigo sentir eles mexerem, é horrível!!

- Óbvio que não consegue, tolinha! Não tem nada aí para você sentir mexer. Hahaha~

- Isso é porque eu roubei seu livro...?

Ela termina de enfaixar e põe seus olhos em uma jarra, onde antes se guardavam amoras espremidas em uma deliciosa geleia. A mais velha se ajoelha em sua frente e segura seu rosto com as duas mãos.

- Você nasceu bela demais para este mundo. Os homens são crueis com garotinhas, sabia? Por isso, eu devo carregar sua beleza e aguentar esses homens maldosos por você. - sorri de forma gentil.

- Eu sei que é mentira.

Seu sorriso se desfaz e a pequena continua.

- Você ficou obcecada com esse livro. Sua vingança tola pela vila será sua ruína.

- "Vingança tola" você diz. Para uma pequena ingrata, tudo se baseia em tolice. - ela se levanta e bate seus trapos até se tornar um lindo vestido de camponesa de família nobre, com mangas longas, um vermelho forte em suas mangas que realça o volume de seu busto. Seu vestido rodado lhe dá delicadeza e classe.

Amarrando a escuridão de suas onduladas mechas no topo de sua cabeça, deixa seus ombros perfeitos à mostra.

- Não te culpo por dizer essas asneiras. ‐ ela pega os olhos do jarro como se fossem ameixas suculentas e os devora - Até porque, você não viu metade do mundo que eu vi. - seus olhos escuros ganham brilho jovem e levemente esverdeado - Nossa mãe era como uma cabra, domada por um fazendeiro qualquer. Tinha medo de homem e morreu como uma cabra que foi para o abate. Você era apenas um ratinho enrolado em panos de seda quando eu tive que fugir contigo em meus braços.

Seus olhos, agora se pintam totalmente com o verde esmeralda.

- Não serei uma cabra, irmãzinha. Eu serei quem colocará a coleira nessa escória, e quando me cansar de criá-los, os comerei como bodes indefesos. Bodes arrogantes que se acham donos de mulheres incríveis, como eu.

- Você realmente irá fazer isso? E se não der certo?

- Dará, só preciso passar pó em meus dedos para não mostrar sua escuridão.

- Irmã, em que ano estamos?

- Em 1818, por que? - pergunta tingindo seus dedos.

- Eu não me lembro quantos anos você tem.

- Ora, mas é tão fácil! Dezoito!

- E eu? Quantos tenho?

- Onze anos, oras! Não se lembra nem de sua própria idade??

- Você geralmente não me diz.

- Não digo?

- Mal fala comigo, se não for com o interesse de me pedir algo.

- Que calúnia! Eu sou uma ótima irmã mais velha.

- Claro, aposto que todas as trancam em porões e roubam seus olhos.

- Então fuja! Corra para aqueles fazendeiros! Denuncie a 'bruxa da floresta'! Eles só iriam se aproveitar de sua condição de cegueira pra tomar posse de seu corpo jovem.

- Como se antes da cegueira eu não tivesse tentado fugir de você.

- Com meu livro, sem meu livro, depois sem meu livro de novo. E agora? Tentará sem os olhos?

Saliem 1825Onde histórias criam vida. Descubra agora