Ao Luar.

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A garota treme, sentindo ter sido chamada. Obedecendo a irmã, com medo do que pode ter acontecido, fura seu dedo em uma farpa arrancada da bancada velha e esfrega seu sangue no boneco. Se sente estranha, um poder diferente flui pelo seu ser, como se completasse sua alma. E a figura que havia aparecido no fundo do porão da outra vez, parece fazer parte dela agora. Uma fome devastadora que torce seu estômago, a faz querer comer os próprios dedos.

- Eu preciso ir, eu preciso... COMER!!!! - seu corpo estica, suas unhas crescem como garras escuras, sua boca saliva constantemente. Em uma velocidade absurda, seu corpo se move em direção à sua irmã.

O fogo chega nos pés de Beatrice, começando a queimá-la. Ela não grita, pois a dor mostra que está viva.

- Como ela consegue...? - o lenhador pergunta abismado.

- Ela já tá tão adaptada ao inferno, que nem sente as chamas... - o padre que acompanhava os líderes da cidade diz.

- Mamãe, por que estão queimando a moça? - um menininho de cabelos loiros encaracolados diz.

- Olhe bem, filho. - se abaixa, de encontro com a criança, segura seu ombro e aponta para os pés da bruxa - Isso é o que acontece quando crianças não seguem o caminho de De- sua garganta é cortada, atravessada por unhas escuras, grandes e afiadas.

- AAAAAAAH!!!!!!!!! - o sangue suja suas mexas douradas.

As pessoas se afastam rapidamente com o grito da criança, virando seus olhos na direção do barulho.

- Até que enfim você chegou, Baal-Zebub.

- Beatrice... o que fez comigo...? - uma voz áspera sai da garganta da pequena.

- É O DEMÔNIO!!! ELE ESTÁ EM TERRA PARA NOS CONDENAR!!!!
- ESTAMOS PERDIDOS!!!
- MAMÃAAAE!!!!
- AAAAAAAAAAH!!!!!
- PADRE O QUE FAREMOS?! - o mensageiro se esconde atrás do homem, que carrega a bíblia em mãos e uma cruz no pescoço. Ele treme com o rosto espantado.

- Eu estou cumprindo minha parte. Agora cumpra a sua e se alimente. - ela diz serenamente, em meio aos gritos de homens "corajosos e fortes", mulheres "fiéis e cristãs", crianças assustadas sendo deixadas para trás na correria, senhoras sendo derrubadas e pisoteadas. Tudo isso enquanto a garotinha distorcida se alimenta do sangue daquela mulher, mas logo vomita tudo no chão - Não resista, Sarah! Você não quer me ver morrer, quer?! - grita com seus pés em carne viva.

- B-Beatrice... eu estou com medo!! - a sua voz anjelical e trêmula volta por um momento. Os ossos de sua coluna parecem se mover, querendo furar a sua pele e sair de seu corpo - Dói!!! Está doendo!!! - se levanta e vai em sua direção.

- Não tema, pequena. Esse é o nosso momento de libertação.

- Irmã... eu consigo... enxergar tudo! - de dentro das cavidades onde teriam seus olhos, um brilho avermelhado começa a nascer - Meu corpo dói, mas eu me sinto forte! Eu me sinto... viva de verdade!!! O gosto do sangue daquela mulher... era como... o seu Pouding Chômeur!! Se espalhou em minha boca... derreteu!! Era doce... e era quente. - quando seus pés tocam o fogo sem perceber, ela dá uma leve recuada - Nem mesmo o fogo me machuca agora!! Eu sou tão forte!!!

- Isso mesmo meu amorzinho, você era medíocre!! Agora você está extraordinária!!! Minha melhor criação. - sua irmã corta suas amarras e então a bruxa segura seu rosto pequeno com as duas mãos - Vá meu bem, coma para ficar mais forte.

- Sim, irmã.

- DEMÔNIO!!!! - o padre grita - ESSA TERRA É DOS CRISTÃOS QUE ESCAPARAM DE SALÉM, REGIÃO AMALDIÇOADA PELOS SEUS!!! VOLTE PARA O INFERNO QUE É O SEU LUGAR!! - inicia sua reza em latim, com a cruz em mãos.

Saliem 1825Onde histórias criam vida. Descubra agora