Acerto de contas

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À noite, os quatro estavam sentados na sala, comendo bauru e conversando num clima descontraído. Arthur e Laura não faziam piadinhas, então a conversa fluía.

— Esse programa é bom demais. — Sophia comentou e pegou uma batatinha. — Essa mulher faz qualquer um rir.

— Ela tem dias e dias. — Laura discordou. — O de hoje está bem bacana. — A campainha tocou e sabiam quem era. Arthur gritou um "entra" e Augusto ficou surpreso de ver a esposa ali também, ainda mais sentada ao lado de Micael.

— E aí, galera? — Foi simpático. — Parece tudo ótimo por aqui.

— O que você quer? — Micael disse seco.

— Será que dá pra parar de me tratar assim? Você não tem o menor direito de ter raiva de mim. — Acusou e talvez tivesse razão. — Eu não te fiz nada!

— Mas foi escroto no modo como falou. — Deu de ombros. — Não gostei.

— Essa conversa não pode ser em particular?

— Na moral, vai conversar com a tua esposa, Augusto. Aposto que é isso o que você quer. — Desviou o olhar pra tv.

— Eu não tenho nada a dizer. — Sophia se pronunciou.

— Nós dois podemos conversar em casa? — Pediu e a loira negou. — Qual é, amor?! Vamos lavar roupa suja em público agora?!

— Todo mundo já sabe da briga de vocês. — Arthur falou ao amigo. — Senta, Guto. Quer uma cervejinha?

— Não quero me sentar, eu só quero conversar com o meu amigo, e em seguida com a minha esposa.

— Pra que cara, não rolou mais nada, se é o que quer saber. Eu não "rondei" mais a sua esposa, se é por isso que está insistindo tanto em falar comigo.

— Gente, vocês podem dar licença? — Guto pediu e os amigos saíram, Micael rolou os olhos. — Eu sei que já pedi desculpas pelo modo que te expulsei da minha casa, mas eu peço novamente se for necessário. Poxa vida, você não pode ficar com raiva de mim pra sempre por conta de uma besteira.

— Eu posso o que quiser.

— Eu sei que você entende o meu surto, não se faça de sonso. — Suspirou. — Eu tinha medo, aliás, eu ainda tenho medo.

— Podia ter chegado e falado na moral, ao invés de dizer que eu arranjava desculpas pra ficar no inferno que é aquele apartamento.

— Eu achava que era você que ia atrás dela, não imaginei que era ela que ia atrás de você. — Estava frustado. — Talvez até tenha imaginado, mas não quis enxergar.

— Não vou te pedir desculpas pelo que fiz. — Foi sincero e viu Augusto finalmente se sentar. — Não me arrependo.

— Não? É sério?

— É sério. — Guto balançou a cabeça incrédulo.

— Pelo menos eu me senti culpado. — Disse chateado. — E eu fui falar com você, podia ter escondido até você sair. Você foi covarde!

— Eu não fui covarde coisa nenhuma! — Do quarto, o pessoal ouvia a discussão acalorada. — Eu apenas não cheguei pra você e pedi desculpas por uma coisa que eu não estava nem um pouco arrependido. Você fingiu quando foi falar comigo.

— Eu não fingi nada, estava culpado.

— Uma ova, Augusto. — Rolou os olhos. — Para de ser sonso! Você foi até lá, três meses depois me dizer que ia pedir ela em namoro, só que essa merda foi na semana seguinte. Eu já soube da verdade, deixa logo a sua máscara cair.

— Eu não uso máscara nenhuma. — Disse no mesmo tom. — Eu queria ver se fosse você no meu lugar! Como se sentiria.

— Nunca estaria no seu lugar, eu não me aproveitaria de uma crise pra pegar a sua namorada. — Abaixou o tom de voz. — Augusto, explica pra mim uma coisa. — O homem ajeitou os óculos e o olhou. — Você enrolou a Sam por mais de um ano sei lá, sempre com um discurso de que não queria nada formal e apenas curtição. Engatou num namoro com a Sophia duas semanas depois de ficar.

— Eu me apaixonei ué! — Debochou. — Não é tão difícil de entender.

— Você se apaixonou ou você sempre foi apaixonado por ela e não tinha coragem de admitir porque ia levar um fora? — Fez a pergunta que perturbava sua mente desde que Arthur lhe disse que pensava aquilo. Guto levou a mão ao peito e se fez de ofendido.

— Como é que você tem coragem de olhar na minha cara e dizer algo desse tipo?! Eu nunca olharia pra sua namorada, e também nunca sequer dei em cima dela. — Se defendeu, mas não convenceu muito.

— Essa história toda é muito estranha.

— Fala sério, você e a Sophia meteram chifres imensos em mim, na minha casa enquanto eu saí pra trabalhar. Tudo o que eu fiz, foi por causa disso, seja ser idiota com você ou instalar câmeras naquele apê. Somente eu estou correndo atrás e tentando ficar bem com os dois, como se vocês fossem as grandes vítimas dessa situação.

— Você não devia ter casado com ela, será que não percebe? — Dessa vez, falou baixo.

— Então porque é que você não a impediu de casar? — Cruzou os braços. — Teria sido muito mais simples pra todos nós, mas você desde que saiu da cadeia só sabe se fazer de coitado.

— Eu me faço de coitado? — Arregalou os olhos. — Você está pedindo uns socos no meio da tua fuça.

— Você se faz de coitado sim! — Disse sem medo da ameaça, enfrentando Micael com o tom muitas oitavas acima do normal. — Eu sei que você sofreu muito na cadeia, mas eu não tenho culpa dessa merda, me perdoe tudo ter acontecido na comemoração do meu aniversário, me desculpe por ter insistido que você fosse, mesmo que sem a Sophia. Eu não sabia da merda que ia acontecer.

— Mas eu nunca sequer te culpei por isso, aliás. — Fez uma pausa. — Eu fiz de brincadeira da outra vez.

— Tá, não estou dizendo que me culpou, mas porra, você se faz de coitadinho, de quem não tem onde cair morto, mas seus pais são ricos, Micael.

— O dinheiro dos meus pais não tem nada a ver comigo.

— Como se você não fosse herdeiro único. — Rolou os olhos. — Para de se fazer de vítima um instante, pare de ser idiota. Eu me apaixonei pela Sophia e lamento muito que você sofra por isso, mas eu não vou ficar me desculpando pra sempre por conta de algo que eu sequer planejei. Eu fiquei indo visitar a garota porque você me pedia, era tudo um favor a você.

— Muito obrigado por ser tão solícito a me fazer favores.

— Quer saber, eu cansei dessa merda! — Jogou os braços em sinal de revolta e se afastou um pouco. — Eu não vou ficar aqui me humilhando e pedindo um milhão de desculpas pra vocês, sendo que o que eu fiz não se compara ao que vocês fizeram. Vou pra minha casa e avisa a Sophia que se quiser ficar aqui e botar ainda mais chifre em mim, o problema é dela. — Caminhou a passos largos até a porta. — Avisa também que o rapaz vai tirar as câmeras pela manhã. — E foi embora.

Micael se sentou no sofá e levou as mãos a cabeça soltando um suspiro. Que situação de merda, tinha acabado de brigar com seu amigo de infância por causa de uma mulher que brincava com os dois sem dó.

Quando ouviram a porta bater, os três saíram de dentro do quarto e voltaram pra sala, encontraram um Micael pensativo, ainda escondendo o rosto nas mãos.

— E que briga foi essa hein! — Arthur comentou sem graça, tentando quebrar o gelo. — Não sei porque saímos, foi como se estivéssemos aqui.

— Eu vou me deitar. — Ficou de pé e comunicou. — Já tive emoções demais pra um dia só. — Ia saindo de perto, quando se virou novamente aos amigos. — Talvez você não tenha ouvido, porque isso ele disse baixo — os três o encararam aguardando com expectativa — mas seu marido disse que as câmeras serão retiradas pela manhã. — Voltou a caminhar com as mãos no bolso pra cama, precisava descansar.

Aquela NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora