— Estou tão feliz que tenha vindo! — Minha mãe cochichou para mim pela milésima vez durante o jantar.
— E eu estou feliz em vê-la. — O que era verdade! Se não fosse pelo Sr. Clifford, eu teria vindo antes.
Pensando na criatura, sua voz e risada ecoavam bem altas pela sala de jantar. Ele parecia muito empolgado conversando com seus acionistas. Trabalhar devia mesmo ser um prazer para ele.
— Mas mãe... Você sabe por que eu vim, certo? — Voltei a cochichar discretamente.
— Claro que sei. Depois do jantar, quero que me acompanhe até a biblioteca. Lá conversaremos melhor.
Meu coração se encheu de ansiedade, e, por tal motivo, as conversas do Dylan pareciam ainda mais longas e entediantes.________ ________
"Preso por tentativa de homicídio" era a notícia principal do jornal que minha mãe me entregou assim que entramos na biblioteca.
Era um noticiário antigo, o típico jornal de cidade pequena. Precisei analisar cada detalhe da publicação, até voltar a ler a legenda novamente. E lá estava a foto do meu pai.
Entre as informações da matéria, o nome da empresa Stewart me chamou a atenção. Aos poucos, comecei a processar o que estava lendo.
— Seu pai foi pego em flagrante. O corpo do Sr. Stewart estava desacordado ao seu lado quando um dos funcionários chegou e presenciou a cena. Por sorte, ele sobreviveu. Mas isso não apaga o fato de que Luke Stewart foi traído pelo próprio amigo naquele dia. O motivo? Bem... eu não sabia na época, mas descobri que o seu pai foi demitido por desviar dinheiro da empresa. O dano foi tão grande que muitos funcionários precisaram ser demitidos, principalmente depois que o Sr. Stewart ficou incapacitado de administrar a empresa por ter sido esfaqueado. Você tem ideia de como seu pai afetou aquelas famílias? A cidade inteira dependia daquela empresa. Eu sinto tanta vergonha e remorso.
— Por que você nunca me contou sobre isso?
— Sempre quis te poupar. Não é sua culpa as ações que seu pai escolheu, mas sei do apreço que você tinha por aquela família. Especialmente pelo Archie. Você adorava aquele garoto, e eu sofri tanto por isso também...
— Então foi por isso que saímos como foragidas da cidade? Éramos vistas como cúmplices dele? — Engoli seco o resto da minha ironia.
— Seu pai hipotecou nossa casa para cobrir as dívidas, caso não conseguisse pagar de outra forma. E, como foi preso, acabaram nos tirando a casa. Eu nunca soube de nada disso até ser tarde demais. Seu pai nos deixou sem nada e sem ninguém. Ou melhor, tínhamos os meus pais, mas começou a ser incômodo viver com eles, já que constantemente eu recebia cartas de cobrança. Foi então que decidi me virar por conta própria. E só quando conheci o Dylan as coisas começaram a melhorar.
Era muita informação para digerir. Eu já tinha inventado várias teorias sobre o que teria acontecido, mas nunca imaginei que envolvesse a família do Archie. Isso explicava todo o ódio que ele sentia por mim. Pelo menos, queria me convencer de que explicava.
— Mãe, as coisas ficaram perigosas na época? — Sempre julguei o fato de mudar de nome e cortar laços com os familiares, mas agora comecei a entender melhor.
— Mas, graças ao Dylan, não estão mais. Sei que não gosta muito dele e que julga suas atitudes às vezes, mas ele nos ajudou quando ninguém mais quis ajudar. Então, ao menos se sinta grata por isso.
Assenti com a cabeça, embora o que eu quisesse mesmo fosse revirar os olhos.
— Se é assim, serei grata.
_________ _________— Você não vai parar de ler esse jornal, menina? Acho que não vai encontrar uma notícia oculta entre essas letras.
— Meu pai tentou assassinar um amigo, Sra. Agatha. Não é de admirar que ele nunca tenha se importado comigo.
— Não diga isso, Hanna! Independente de qualquer coisa, sei que seu pai te ama muito.
— Sim, consigo perceber isso...
De repente, Agatha parecia ansiosa e um pouco receosa. Depois de muito hesitar, ela se aproximou, capturando minha atenção.
— Você se lembra de quando ouviu sua mãe nos repreendendo para nunca tocar no nome do seu pai?
— Lembro.
Agatha me puxou para seu quarto, trancando bem a porta e certificando-se de que não estávamos sendo vigiadas.
— Aqui. — Ela estendeu um envelope marrom em minha direção. — Anda, pega. São cartas. Sua mãe me pediu para me livrar delas, mas elas continuaram chegando e, depois daquela reunião, não tive mais coragem de entregá-las. Eu nunca abri, mas lembro que sua mãe ficava assustada e agitada quando elas chegavam. Ela não parecia bem emocionalmente e dava ordens que logo desfazia, então decidi guardar as cartas, caso ela perguntasse por elas. Com o tempo, depois que vocês mudaram de nome e registros familiares, as cartas pararam de chegar. Estas foram as únicas que ficaram guardadas.
Quando comecei a ler, vi que se tratava do que eu sempre suspeitei: ameaças. Nas cartas, minha mãe era cobrada por dinheiro e até ameaçada de morte. Na verdade, nós duas éramos.
— Olha, Hanna, sei que você pode odiar o Sr. Clifford e não entender a devoção da sua mãe por ele. Mas, se não fosse por ele, essas cartas nunca teriam parado. Ele foi um verdadeiro anjo da guarda para você e sua mãe. Depois que vocês mudaram de nome, ele se certificou de apagar todo o passado de vocês. Ninguém jamais vai imaginar que vocês são as mesmas Sierra e Katy de antes. E foi só por isso que sua mãe parou de ser ameaçada.
Em parte, Agatha tinha razão. Dylan Clifford não tinha nenhum compromisso conosco, mas mesmo assim se mostrou muito atencioso nesse sentido. O que era realmente estranho, se parasse para pensar bem. Ah... eu realmente não conseguia gostar dele!
Continuei lendo as cartas, até me cansar de ver as mesmas mensagens repetidas.
Curiosamente, elas sempre terminavam com a mesma assinatura e carimbo: TS. Por que a letra e o design pareciam tão familiares? E quem em sã consciência assinaria uma carta de ameaça? Por que minha mãe nunca denunciou?
— Agora que viu o quanto pode ser perigoso, pode me prometer que vai apenas seguir em frente?
E se eu pesquisasse a sigla?
— Hã... Hanram. Oh, Agatha, você pode me arrumar um computador? Preciso pesquisar uma coisa.
Sinto muito, Agatha, mas estou longe de deixar isso para lá.
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TANGERINA
Romance"Tudo começou com um segredo. E, desde então, Sierra Campbell viveu uma mentira." Depois que seu pai foi preso em circunstâncias que ninguém ousava mencionar, Sierra foi forçada a abandonar sua cidade, seu nome e sua vida. Agora, como Hanna Clifford...