4. Wonderwall

17 2 0
                                    

No inverno de 1985 em Brigham City nascia John Parker, o segundo filho de Abraham e Mary Elizabeth pesando quase 5 kg e medindo 56cm.
Os pais estavam radiantes com o seu filho recém nascido, mas Esther estava ainda mais.
A menina de apenas cinco anos gritava a  plenos pulmões o quanto seu pequeno irmão era lindo, e narrava para quem quisesse ouvir todos os planos que já havia feito em sua cabecinha para cumprir junto de seu irmãozinho.
John e Esther eram inseparáveis, e Esther nunca mediu esforços para proteger seu irmãozinho. E claro, John também era muito ligado a sua irmã.
Desde os 7 anos, a eloquência de John o tornou um prodígio nos cultos, todos sabiam que podiam esperar grandes feitos daquele menino.
Aos 8 anos ele já conhecia a bíblia melhor que muitos adultos e falava sobre ela melhor que muitos pregadores da palavra.
O amor de John por sua família e sua devoção sincera a religião chegava a impressionar a todos.
Quando ele tinha 10 anos, supreendeu sua irmã ouvindo músicas que ele sabia que ela não deveria escutar.
Suavemente, Esther colocou em seu aparelho de som uma fita k7 da banda Oasis e disse

-Preste atenção na letra dessa música, maninho

"Because maybe
You're gonna be the one that saves me
And after all
You're my wonderwall"
("Porque talvez
Você será aquele que me salva
E depois de tudo
Você é minha proteção")

- o que tem? indagou ele
- Essa música é de uma banda formada por dois irmãos. E essa música fala sobre um proteger o outro. Essa música, John, agora é a nossa música! Você me protege e me salva como eu te protegi e salvei muitas vezes, o que acha?

John abraçou sua irmã carinhosamente. Por mais que ele se sentisse um traidor da fé naquele momento, sua irmã fazia tudo parecer melhor, ela sempre foi especialista nisso. A música era tão bonita! Claro que tudo ficaria bem.

-Sim! Essa será nossa música e nosso segredo- ele disse afagando os cabelos loiros da irmã.

Esther sabia o quanto era difícil para seu irmão desobedecer a doutrina imposta pela igreja e pelos seus pais. E ela era extremamente grata por isso.
E John guardou o segredo da irmã até aquele maldito domingo.
Esther havia ido dormir na casa de Sarah na noite anterior o que significava que a TV era só dele naquela manhã e ele poderia assistir tranquilamente seus desenhos animados. Como sempre Mary fazia faxina na casa, mas naquela manhã quando estava arrumando o quarto de Esther, Mary gritou por seu marido.
John curioso subiu discretamente atrás de seu pai para ver o que estava acontecendo e viu que ele entrou no quarto da irmã.
Mary estava sentada na cama que acabara de tirar os lençóis. Ela segurava uma pasta cor de rosa em suas mãos e tirava de lá fotos e pôsteres, mostrando para Abraham, que mantinha uma expressão séria e ao mesmo tempo incrédula.

-Querido, veja essas coisas, será que nossa filha está escondendo esse material satânico para aquele delinquente satanista? - disse ela ao marido se referindo a Rick, irmão de Sarah.

-Querida, isso somente nossa filha poderá responder, mas independente da resposta dela, teremos de ser duros, afinal, ela abriu a porta para o inimigo, cabe  nós fechá-la agora.

Os dois começaram  abrir as portas e gavetas do roupeiro da filha, quando encontraram escondidas e enroladas em um edredom de unicórnios as fitas k7 e os VHS com mais pôsteres, que incluíam algumas letras de música.
Sr. Parker lia atentamente em voz alta

"Nuvens negras pairaram sobre minha cabeça essa manhã
O doce beijo daquela que matei, matei em mim
Refresca minhas lembranças
Minha amada queima no inferno
Enquanto eu queimo por deseja-la
Por favor, querida escreva-me uma carta do inferno
Me contando como você queima"

Enquanto Abraham lia, Mary murmurava baixo e chorosamente palavras repreendendo aquilo que ela ouvia até que eles notaram a presença de John ali na porta

-Filho, você sabia que sua irmã ouvia esse tipo de música? - perguntou

John estava desesperado, lembrava da promessa que fez a sua irmã mas também se lembrava da promessa de não mentir e honrar seus pais.
Mas parece que o Sr. Parker conseguia desvendar os pensamentos confusos de John e disse :

-“O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que confessa e deixa alcançará misericórdia”. Isso está no livro de Provérbios capítulo 28...

-Versículo 13, eu sei pai - interrompeu o menino, completando a pregação de seu pai.

- E então? sorriu olhando para o filho aguardando uma resposta

-Eu nunca havia visto nada disso no quarto da Esther, pai.

Seu pai o olhava tentando ler suas expressões mas parecia convencido que seu filho falava a verdade.
John saiu do quarto de Esther, desceu as escadas em silêncio, desligou a TV e subiu para seu quarto fechando a porta. E nesse momento caiu no choro pedindo perdão a Deus por ter mentido para seus pais  enquanto orava e pedia misericórdia por sua alma e pela alma de sua irmã.

O Grito do SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora