1. Doce Lar

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Na pequena Brigham City, no estado de Utah em uma manhã nublada do outono de 1980 Mary e Abraham Parker embalam pela primeira vez Esther, sua primogênita nos braços.

O jovem casal de missionários que a menos de dois anos haviam se mudado para a cidade esperavam ansiosos o nascimento de seu primeiro bebê: Jhon ou Esther. Eles não se atreveriam a saber antes da hora, mesmo existindo exames disponíveis, afinal para aquele jovem casal, isso seria passar a frente do Criador.

Nesse ano, Abraham tinha 32 anos, nascido em Salt Lake City trabalhava incansavelmente na pequena igreja protestante em Brigham. Ele era um homem criado nos princípios mais fervorosos e se tornou exatamente o que era esperado dele: Um homem de Deus, temente a Deus e servo de Deus. E claro que, um homem assim buscou se apaixonar por uma mulher não muito diferente: Mary Elizabeth, sua primeira e única namorada, apenas um ano mais nova que ele.

Os pais de Abraham e Mary eram melhores amigos e estava quase escrito e grifado no destino que eles ficariam juntos.

Em maio de 1978, numa linda manhã de primavera, Abraham e Mary se casaram na mesma igreja em que seu pai era missionário, e na noite de seu casamento seu pai, o pastor, lhe deu a notícia:

-Meu filho, Brigham City o espera!

Em seguida entregando as chaves da casa e do templo que o aguardava na nova e pequena cidade.

O casal foi muito bem recebido pela comunidade. Aquele homem extremamente alto, mais de 1,90m, esguio, olhos azuis e cabelos levemente avermelhados fazia um belo contrate com Mary, que não tinha mais que 1,60m de altura, olhos verdes como esmeraldas, cabelos castanhos escuros, corpo farto e rechonchudo. Eram o casal que expressava amor de forma devocional um pelo outro, mas ainda mais devocional a Deus.

De início, Esther foi uma agradável surpresa, afinal Mary sempre amou brincar de bonecas, desde cedo aprendeu a costurar e tricotar para criar lindos vestidos para elas, e agora poderia por todo seu conhecimento em prática para criar roupas para sua filha.

Ao mesmo tempo, Abraham também estava contente. Mesmo secretamente desejando que seu primogênito fosse um menino, uma linda princesa criada com a modéstia cristã deixaria sua família ainda mais bonita nos cultos de domingo.

E beleza realmente era algo que não faltava na pequena Esther: Os cabelos loiros e ondulados que herdara de sua avó paterna e olhos verdes iguais aos da mãe rendeu a menina por muito tempo o carinhoso apelido de Cachinhos Dourados, em homenagem a pequena princesa dos contos infantis.

Porém quando Esther tinha cinco anos de idade, John chegou para tirar seu posto de filha única, e dar a ela e aos pais a alegria que eles jamais sonharam.

Jonh com suas bochechas rosadas e os olhos tão azuis quanto o oceano era capaz de despertar o amor até nos corações mais durões.

A família Parker estava completa e criara suas raízes naquela bela casinha

branca com uma pequena cerca de madeira na frente, numa rua tranquila ao lado da pequena igreja onde o Sr. e a Sra. Parker zelavam com amor.

Era de se esperar que consequentemente, Esther e Jonh acabassem por passar mais tempo de sua infância nas atividades da igreja do que em sua própria casa.

Aos 14 anos, a jovem Esther destacava-se ao cantar no coral da igreja, onde sua paixão pela música foi muito bem aproveitada, e sua voz encantava todos que a ouviam cantar e adorar a Deus.

- Parece um anjo do senhor - exclamava qualquer um que a ouvisse cantar nos cultos dominicais.

No entanto, Esther escondia um segredo de seus pais e dos amigos da igreja. Ela não ouvia exclusivamente os louvores que ensaiava para o culto dominical. Durante o tempo que ficava sozinha em casa, seu estéreo tocava algumas fitas k7 que ela mantinha escondidas embaixo de seu colchão: Whitney Houston, Oasis e claro, sua banda favorita Sharon's Ghost, aquela banda de
rock que fazia as garotas suspirarem com seus integrantes badboys falando de amor ao som de guitarras potentes.

Esther sabia que se seus pais soubessem o que ela andara ouvindo, ela ficaria de castigo, então sua coleção de fitas K7 deveriam ficar em segredo assim como o amor por Sharon's Ghost, e claro, por Lennie Sharon o vocalista/guitarrista da banda.

Tudo começou há um ano atrás quando ela sintonizou seu estéreo na rádio Splash Music para ouvir música quando começou um solo de guitarra que fez o corpo da jovem estremecer. E tudo só piorou quando ela ouviu a voz doce e grave de Lennie Sharon cantando o primeiro verso da música Special.

"A day you where special for me"

Foi amor a primeira vista, ou melhor, a primeira ouvida.

Imediatamente ela preparou seu estéreo para gravar aquela música, que em alguns dias ela já saberia de cor, e teria que se controlar para não cantarolar perto de seus pais.

Duas semanas depois de ouvir e se apaixonar pela música, Esther estava na cozinha da casa de sua amiga Sarah, fazendo um trabalho escolar quando ouviu vindo da sala da casa aquele solo de guitarra que ela não tirava da cabeça a alguns dias. Esther foi até lá e viu na tv, ligada na MTV, pela primeira vez o clipe de sua agora banda favorita.

Lennie Sharon com seus cabelos longos e claros, olhos castanhos e lábios rosados cantava para uma garota de cabelos platinados em um quarto. Na cena seguinte, aparece toda a banda em um show ao vivo.

Como pode um homem ser tão belo? Esther não sabia explicar o que estava sentindo naquele momento, mas até o nascimento de seu filho, anos depois, ela nunca sentira nada tão forte quanto ela sentiu naquele momento em que viu Lennie na tv pela primeira vez. Nem mesmo quando esteve com ele ao vivo.

-Esther? Esther? - Sarah passava a mão em frente os seus olhos tentando trazê -la de volta a realidade

-sim? -respondeu Esther sem graça

-Você gosta deles? Meu irmão adora!

- Nunca havia visto...nem ouvido - disfarçou

Ela sabia que Sarah não era boa em guardar segredos e preferiu deixar guardado sua paixão que agora se acendera como um incêndio encontrando um tanque de combustível.

Naquela tarde, Esther voltaria pra casa decidida a encontrar tudo que fosse possível de sua nova banda preferida e de seu novo amor Lennie Sharon. No caminho para casa ela comprou a fita K7 da banda.

Para os jovens que não sabem o que é fita K7, era um padrão de fita magnética para gravação de áudio, que por serem menores que um LP eram mais fáceisde esconder dos seus pais.

O álbum se chamava "Write me a letter from the hell" , a capa é uma foto onde os integrantes estão usando jaquetas jeans e calças justas. Lennie segura a guitarra Les Paul vermelha e branca deixando sua tatuagem de caveira na mão a mostra, seu olhar parecia penetrar na alma de Esther. Os outros integrantes estão um passo atrás, Dwight segurando seu baixo Gibson na cor rosa ao lado direito de Lennie esboça um sorriso enquanto Tommy, com sua Fender preta, do lado oposto parece estar com olhar perdido em algo mais interessante que aquele fotógrafo. Matt está sentado à direita de Lennie, na frente de Dwight, segurando baquetas coloridas com cara de quem estava odiando posar para aquela foto estúpida. O fundo da foto possivelmente arrepiaria seus pais, uma mistura insana de céu e inferno com imagens de mulheres seminuas com o rosto angelical e demônios macabros as tocando.

E por muito mais de um ano, essas fitas ficaram escondidas debaixo do colchão dela, junto de alguns pôsteres da banda, em uma pasta cor de rosa.

O Grito do SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora