Realidade

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Mas tudo que acontece na vida
Tem um momento e um destino
Viver é uma arte, é um ofício
Só que precisa cuidado
Pra perceber

POV LAUREN JAUREGUI

Meu sorriso era enorme, um reflexo do amor que enchia meu peito. Era como se estivesse vivendo um paraíso. Meu Henrique, me considerando sua outra mãe, um exemplo a seguir. Isso me inundava de uma felicidade genuína; sentia vontade de saltitar pelas ruas do Méier. Aquela noite, dormi profundamente e acordei com uma sensação de paz interior. Camila não estava na cama quando me levantei, mas ao fazer minha higiene pessoal e descer para o café, pude ouvir vozes animadas vindo do andar de baixo. O aroma do café se espalhava pela casa, misturando-se com as alegres conversas entre ela e nossos filhos.

Minha esposa tinha o cabelo preso num coque relaxado e usava um vestido de alças finas que delineava perfeitamente suas curvas. Um sorriso radiante iluminava seu rosto enquanto gargalhava, preenchendo o ambiente com uma energia contagiante. Suas bochechas coraram levemente quando percebeu que eu a observava atentamente. Me aproximo dela enquanto ela prepara o café na bancada e deixo um singelo beijo em seus lábios, sentindo o aroma que exala amor e serenidade.

É tão particular o meu encontro quando é com você
O meu sorriso quando tem o teu pra acompanhar
As minhas histórias quando você para pra escutar
A minha vida quando tenho alguém pra chamar
De vida

Naquele momento, nossa família parecia saída de um comercial de margarina, onde tudo é perfeito e repleto de felicidade. A sensação de ser a família que protagoniza esses comerciais era incrível. Ouvir as crianças compartilhando suas histórias animadas e os planos da Camila para a semana me trouxe uma sensação de alegria genuína. Após tanto tempo, estávamos finalmente retomando nossa essência como uma família de verdade. Nos últimos tempos, enfrentamos muitas turbulências, raros foram os momentos em que conseguíamos compartilhar uma refeição sem que a tensão pairasse sobre nós.

Depois de um café da manhã maravilhoso, levei meus filhos para a escola e Camila seguiu para o restaurante. O trajeto até a escola foi cheio de animação; Henrique parecia mais descontraído e aos poucos ia voltando a ser o garoto que eu sempre conheci. Tinha plena consciência de que nossa relação não se reestabeleceria de uma hora para outra; seria uma jornada de reconstrução, com respeito aos limites de ambos. Estávamos seguindo o nosso próprio ritmo. Assim que eles saíram do carro, Henrique me disse: "Se cuida, tia Laur!" e um sorriso involuntário surgiu em meu rosto. São as pequenas coisas que fazem toda a diferença.

Sempre considerei crucial estabelecer um vínculo forte com meus filhos; sendo eu mesma filha de uma mãe solo, entendo o impacto que a presença de uma figura de apoio e referência pode ter. Muitas vezes, senti a ausência de um pai, alguém cujo rosto, voz ou afeto eu sequer conhecia. Tive a convicção de que, caso um dia me tornasse mãe, seria diferente. Estaria lá para meus filhos, não permitiria que a falta de presença fosse uma fonte de sofrimento, que eles sentissem a falta de alguém ao seu lado. Crescer com a crença de que há algo de errado conosco, algo que justifica a ausência de um pai ou mãe, não é e nunca será saudável. A culpa nunca é das crianças que sofrem e vivenciam o abandono; a culpa reside nos pais que optam por partir e seguir em frente sem olhar para trás ou sentir remorso.

E mesmo assim, tive que penar pra aprender
Que minha mãe não ia poder 'tá lá pra me ver crescer
Tinha que trabalhar pra ter o que comer
Não ver seu filho aprender a falar, essa porra deve doer
Guentar madame mandar e ter que acatar
Aê ouvir teu bairro sussurrar ('cê sabe, mãe solteira é o que?)
Ver seu tempo acabar, sua chance morrer
E no fim do mês ganhar, o que não da nem pra sobreviver

Lá vem elaOnde histórias criam vida. Descubra agora