Capítulo 4 - Companheiros

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Yogratax...

Gawain Randall era cinza como uma rocha, das roupas que vestia aos fios de cabelos, cortados e penteados com esmero sobre a cabeça. Cinzento era, também, seu humor na maior parte dos dias. Dizia-se que fazer brotar um sorriso no rosto do homem era tão difícil quanto fazer água surgir de pedra bruta. O papel de magistrado exigia que fosse assim. Nunca havia cultivado amizades, ou mesmo, mantido proximidade com parentes consanguíneos. Um juiz devia-se manter imparcial em todos os casos, por mais apreço que pudesse sentir por qualquer réu. Era assim que dizia o código que havia recitado havia mais de vinte anos com a mão direita sobre o fio de navalha da espada empunhada pela famigerada estátua de Santa Austra, em Schotsthala, o bastião da Ordem. O enorme castelo ficava na cidade homônima à santa que representava a justiça e abrigava a Academia das Leis e da Ordem do reino de Yogratax.

E, assim, poucos além de sua amada Dena o viram sorrir. Primeiro, ao segurar nas palmas das mãos o primogênito, Yurgan, que veio ao mundo gritando a plenos pulmões. Dois anos mais tarde, sorriu quando ouviu, depois de um parto tortuoso, a parteira lhe dizer que haviam conseguido trazer sua filha de volta à vida. Victoria foi uma criança um tanto apática e de constituição frágil, reflexo do trauma que havia sofrido, enquanto Yurgan, fora, desde infante, um garoto forte e saudável, com a personalidade forte. Dena, no entanto, definhava à medida que o tempo se passava, então, temendo pela saúde da esposa, Gawain decidiu se mudar com a família para uma cidadezinha afastada da capital.

Marco da Floresta Velha era muito menor do que Austra. Na visão de quem havia vivido na metrópole, pouco passava de um vilarejo, mas, os ares mais saudáveis faziam com que Dena se recuperasse vertiginosamente.

Ainda jovem, Victoria, apesar de uma grande pré-disposição à aquisição de doenças, possuía a mente astuta e a memória aguçada. Dominou, muito antes das crianças de sua idade, as palavras e os números, sendo indicada muito cedo à Academia de Filosofia e Segredos da Existência, em Vitânia. Lá, acabou por se encantar pelas artes arcanas e, mesmo contra a vontade de Gawain, pediu transferência para a Academia de Artes Arcanas e Modelagem da Realidade na capital, Lorcan, sendo aceita com louvores.

Yurgan, voltava sua atenção para a figura paterna. Acompanhava o pai sempre que podia durante as sessões no pequeno tribunal de Marco da Floresta Velha. Gostava de ver a justiça tomando forma e os maus sendo punidos. Orgulhoso, Gawain Randall levou o filho à capital para conhecer o grande bastião da Ordem que era o castelo de Schotsthala, grande o suficiente para ser usado, tanto como campus da Academia das Leis e da Ordem quanto como fórum e tribunal. Era, também, o local mais sagrado para os sacerdotes adoradores da santa justiça, representada por uma imponente estátua de mármore branco em um jardim no centro exato do castelo. Austra usava uma venda nos olhos, representando que a justiça devia ser cega às aparências e, empunhava uma balança na mão esquerda e Justiça, uma bela espada de metal forjado, na direita. Dizia-se que a espada na mão da estátua nunca mais havia sido afiada e, ainda assim, mantinha o fio tão fino quanto o de uma navalha, resultado do esmero depositado no metal forjado pelos anões como presente para a própria santa, eras atrás. Era ali, com a mão direita sobre o fio de Justiça, que os magistrados prestavam seus juramentos. E foi ali onde, pela primeira vez, aos dez anos, o garoto Yurgan ouviu o chamado do heroísmo. Ao ouvir o pai sussurrar, com a mão sobre o fio da espada, Yurgan sabia que estava destinado a ser muito mais do que um magistrado.

Os anos seguintes se passaram rápido e, em Marco da Floresta Velha, as pessoas já ouviam boatos da animosidade entre Yogratax e Urunir, o reino vizinho. Ainda assim, Yurgan se mudou para a capital para dar início aos estudos. Como o filho de um magistrado de renome, o rapaz não encontrou dificuldades em ingressar na academia. Os estudos consumiam grande parte de seu tempo e ele aproveitava os dias de folga para fazer visitas à irmã, que vivia em regime de internato, o que fazia com que esses encontros precisassem ser feitos às escondidas.

A Chama de UrunirOnde histórias criam vida. Descubra agora