Extra I

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Meu pai. Ele. Ele. Finalmente morreu.”

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Bangkok, Thailand, 2012 - Hendery Upton

Eu tinha doze anos quando meu pai me bateu pela primeira vez de forma extremamente grosseira, acabei sendo enviado para um colégio interno nos Estados Unidos, por causa dessa agressão, fazendo com que eu vivesse lá até ser aprovado numa das melhores universidades tailandesas. Quando retornei, apanhei novamente do mesmo jeito, principalmente por meu pai ficar sabendo que eu era realmente gay – já que quando resolveu me bater na primeira vez, ele tinha apenas uma suspeita –, mesmo que tenha doído muito mais dessa vez, do que na primeira, agradeço o meu ex-amigo por ter feito a fofoca se espalhar até o meu pai, assim pude conseguir uma bolsa de intercâmbio facilmente com seus contatos e ir parar no Brasil. Que mesmo não sendo um dos melhores países para a minha proteção, era a minha melhor opção naquele momento.

Obviamente, recebi a bolsa pelos meus méritos, mas os contatos facilitaram tudo, fazendo com que o processo fosse feito com mais rapidez e meu pai se livrasse de mim em poucos dias. O que foi um alívio para mim. Assim como receber a notícia da sua morte é um grande alívio.
Mas, ele não era o único a me tratar mal em casa, minha mãe sempre me rejeitou e depois que descobriu a minha sexualidade, tudo piorou. As minhas avós eram as únicas que viram um brilho em mim e fizeram de tudo para eu não perder isso. Sempre irei agradecer a elas por isso.

A minha avó materna diz que a minha mãe ficou assim depois que perdeu o seu primeiro bebê num aborto espontâneo, ela ficou muito triste e criou um certo medo de engravidar. O meu irmão teria 28 anos hoje e acredito que se ele tivesse aqui, as coisas seriam um pouquinho melhores.
Só que mesmo com medo, ela tentou mais uma vez depois de anos e acabou vindo eu. Sua gravidez foi de risco, mas graças a Buda deu tudo certo, só que no momento que ela me ouviu chorando e respirando, o nojo profundo por mim veio.

Então, eu fui crescendo ouvindo sempre ela fazer a mesma pergunta “Por que esse filho podre não planejado conseguiu sobreviver e meu filho precioso e planejado teve que ser devolvido aos céus?”

No início, eu não me importava muito com isso, já que recebia muito amor das minhas avós e mesmo que me odiasse, ela cuidava de mim normalmente seguindo as leis de sua religião. Só que com o tempo, era triste ser o único menino que não tinha a mãe assistindo as apresentações e nem aparecendo nos eventos feito para elas. E era mais triste ainda ser tratado como um invisível dentro da própria casa regularmente, mesmo que eu tenha me acostumado com isso, doía profundamente e até hoje tem feridas abertas em relação a isso.
Só que eu queria que esse fosse o iceberg inteiro, mas é apenas a pontinha, todo o resto pertence inteiramente ao meu querido papai, que foi um grande militar séculos atrás e agora está morto.

Por ser um militar, ele sempre colocava uma pressão fortíssima em mim para ser um “homem de verdade” e seguir seus passos para esse mundo da guerra. Só que, eu nunca me imaginei lá e acredito que ele também não conseguia me ver lá. Mesmo que eu seja bom atirando, não me vejo lutando numa guerra, não me vejo dando a minha vida dessa forma. Eu daria a minha vida por uma pessoa e não por um país que rejeita a minha próle, é conversador, misógino e extremamente homofóbico – e mesmo assim lucra em cima de séries LGBT, inacreditável né? Mas, é apenas um pouquinho da realidade.

Realidade essa que meus pais sempre tiveram um grande apreço e gostariam que eu tivesse também. Mas, os meus anos visitando e depois morando nos Estados Unidos fez com que eu tivesse uma mentalidade mais limpa e correta. Algo que eles desaprovam até hoje, infelizmente.

Só que, retornando aos meus doze anos. Era Abril de 2555 (2012)*, época do ano novo Tailandês, época do famoso e amado Songkran. Songkran é uma festa budista que dependendo da cidade pode durar até uma semana, mostrando o nosso apreço pela nossa amada religião e pelas festividades que tanto amamos e respeitamos. Sob o ponto de vista religioso, é o momento em que nós, tailandeses, nos livramos da energia negativa acumulada no ano velho e preparamos o espírito e a casa para o ano novo. O Songkran também é conhecido como o Festival das Águas, quando nós, e claro os visitantes jogam água uns nos outros pelas ruas.

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