2. Um Bater de Asas

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 A NOITE ESTÁ tão solitária quanto a minha casa

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A NOITE ESTÁ tão solitária quanto a minha casa. Não há estrelas no céu e a lua está apagada por nuvens escuras demais para serem vistas. Papai está sentado a minha frente em uma batalha declarada com o bife que ele queimou.

Por isso quando Emilly foi para a faculdade há quatro anos, estamos sobrevivendo às custas de fast food. Eu não me importo de acelerar minha morte, afinal ela chega para todos, não é? E meu cunhado me ensinou que cada dia tem que ser aproveitado. Então, sim. Eu prefiro pizza e macarrão instantâneo do que a comida do Papai. Mas, nunca disse isso a ele.

— Certo! Eu desisto — ele diz, largando os talheres dramaticamente. — Pode me emprestar seu celular?

Levanto e vou até a bancada da cozinha, reprimindo um sorriso aliviado. E estendo meu telefone a ele, cheia de pompa.

— Você prefere pizza, hambúrguer ou...? — ele pergunta.

— Pode ser o de sempre. — Dou de ombros e ele balança a cabeça ao confirmar.

— Oi, boa noite! Posso ter dois cheeseburgers com batata frita e milkshake de baunilha? Ah, e duas cocas zero também. — Emilly nunca pode saber disso. Ela nos mataria. — Certo. Hm, 1476 W. Oak Street. Isso, obrigada!

Ele me olha satisfeito e dessa vez não consigo segurar a risada. Isso é tão frequente que chega a ser trágico.

— Não ria de mim — ele reclama, fazendo biquinho. Abro os lábios para me desculpar quando "New Romantics" da Taylor Swift começa a tocar. Papai olha para a tela e sorri. — É a Emilly.

Corro para o lado dele, ansiosa por ver minha irmã na tela. Ela está linda como sempre. Os olhos azuis ganharam olheiras novas e o cabelo está preso em um coque não muito bem executado, com fios curtos escapando por todos os lados, mas ela ainda está maravilhosa. E só pelo brilho em seu olhar, sei que está feliz.

— Oi! Como vocês estão? — ela sorri.

— Bem, querida. E você? — Papai diz, cerrando os olhos para o meu celular. Ele age como se fosse bem mais velho do que realmente é.

— Ah, ótima! Cansada, mas ótima — Emilly suspira. — As provas começam semana que vem, por isso estou estudando tanto. Mas, Ryan me levou para jantar hoje, então...

Ela desvia o olhar da tela, com um sorriso idiota no rosto. É enjoativo ver o tanto que eles se gostam.

— Como ele está? — pergunto.

Faz um tempão que não falo com ele. Não que ele me mande mensagem constantemente para saber como as coisas estão. Ryan não é bobo. Sabe que não contamos tudo para Emilly. Como, por exemplo, o fato de que Vovó Liz teve um recaída e está internada desde a semana passada. Ela é uma mulher incrivelmente forte, mas seu coração é fraco.

— Bem, também. Esse é o último ano dele, então está à procura de alguns estágios em revistas e editoras por aqui.

— Então, ele vai ficar aí até você se formar? Não pensam em voltar para cá?

Estou com tanta saudade. Tinha ao menos um pouquinho de esperança de tê-la de volta quando se formasse.

— Eu não sei. Ainda não conversamos sobre isso — ela parece insegura, desconfortável. — Acho que não quero ficar aqui sem ele, sabe? Mas, se ele quiser, não vou protestar. O pai dele está aí, afinal.

— Duvido que ele queira isso. Ele é louco por você — Papai diz o óbvio. — Estou com saudade.

— Eu também. Não vejo a hora do verão chegar para eu ver vocês.

— Acha que consegue vir para a peça? — Enrolo um mecha castanha no dedo.

— Eu não sei. Provavelmente não, mas prometo que vou tentar.

Balanço a cabeça, murmurando um "tudo bem". Sei que ela se esforça e, apesar de estar decepcionada, não quero que ela fique mal.

Somos interrompidas pelo grito de uma voz feminina.

— Hm, eu tenho que ir. O banheiro desocupou e se eu não tomar banho agora só vou conseguir de madrugada. — Isso que dá dividir o dormitório com mais quatro garotas. — Amo vocês! Tchau.

Aceno de volta quando minha irmã sorri.

— Também te amamos! — Papai responde por nós dois e o rosto dela é substituído pelo app de mensagens. Me afasto devagar, voltando a me sentar. — Tenho tanto orgulho dela.

Sei disso.

Sei disso desde o momento em que nasci e ainda não aprendi a como não deixar isso me machucar. Porque machuca. E me sinto tão suja por me sentir assim, mas não sei como parar.

A campainha interrompe minhas lamentações banais e Papai se levanta para pegar a nossa janta.

— Um segundo! — ele grita.

Ouço o girar da maçaneta e o ranger da porta antes de risadas falsas e educadas, e, então, a porta se fecha outra vez.

— Então, você já sabe o que quer cursar, filha? Não conversamos sobre isso faz um tempo — Papai pergunta, ao voltar e deixar o jantar em cima da mesa, bem ao lado do prato com bife.

— E-eu ainda não decidi — respondo, sentindo a ansiedade familiar chegar. É uma tortura ter que admitir isso em voz alta, principalmente para ele.

Ele suspira, parece decepcionado, mesmo que tente esconder isso.

— Entendo, mas já escolheu a faculdade? — e ele continua tentando. Sinto meu coração acelerar. Odeio isso. Odeio não ser como ela. Balanço a cabeça, negando. — Não quero apressá-la, mas cada uma delas tem o perfil e é bom se preparar.

— Sim. Eu sei, Pai — respondo, afoito e sei que meu desconforto transpareceu na minha voz porque arrependimento escorre pelos olhos dele, esses iguais aos meus.

— Okay — e essa é a última palavra dita durante o resto do jantar.

E, mesmo agora, quando o silêncio parece governar os arredores dessa casa assombrada. Consigo ouvir o bater de asas de uma borboleta e a voz dizendo, de novo e de novo: "Por que está aqui?". E, outra vez, não sei a resposta.

 E, outra vez, não sei a resposta

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