1. A Família

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Eu sou a Adara. Tenho 20 anos e estou no primeiro semestre da Faculdade de Sociologia, moro com os meus pais e meu irmão, o Lucas. Moramos no bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador, na Bahia e como muito dos outros dias do ano, a cidade está extremamente quente. Aqui ao lado da nossa casa, moram meus avós, tios e primos, digamos que é um vilarejo somente da minha família. Dona Lara e Seu Flor, como chamam o meu avô, tiveram quatro filhos, e exceto o meu tio Paulo, que mora em São Paulo, todos moram aqui. Somos relativamente conhecidos, pois meu avô por anos foi motorista de ônibus da linha do bairro, e a minha avó vendia acarajés no largo do final de linha quando mais nova, passando o ponto agora para minha tia Angélica, que todos a chamam de Lica. Ela é a filha mais velha da minha avó, e também a que mais se parece com o meu avô. A minha mãe se chama Analice, com todo o jeitinho da minha avó, o mesmo cabelo e tamanho, que também puxei delas. Mainha só me teve e o Lucas, que é mais novo do que eu três anos, ainda está no ensino médio e se preparando para o Enem. O meu tio José ou Zé, como gosta de ser chamado, vem logo depois da minha mãe, ele não teve filhos e apenas se casou uma vez, ficando viúvo prematuramente, o que fez com que ele ainda more com meus avós. O tio Paulo pouco vem aqui, mas quando vem sempre traz alegria e muitos presentes para a família, ele foi para São Paulo muito novo, recém-saído à fase adolescência, tentar a vida quando as coisas aqui estavam difíceis para arrumar emprego, hoje após mais de vinte anos morando na capital e já com família feita, consegue viver confortavelmente bem e apesar de ser o filho caçula, é o bem-sucedido da família.

Em termos de religião, a minha família é um tanto que dividida, pois existe de tudo. Minha avó é iniciada há muitos anos no Terreiro da Casa Branca, que fica perto aqui de casa, tenho lembranças de ter ido lá algumas vezes, em período de festas, para acompanhá-la. Ela é Ekedy, uma espécie de autoridade dentro do candomblé que não passa pelo processo de incorporação dos Orixás. Quando pequena, eu sempre achei interessante ir a tais festas, inclusive me recordo bem quando precisei deixar tal hábito, eu tinha por volta dos nove anos, que foi mais ou menos quando meu pai entrou para igreja, e a minha mãe que até então não tinha religião, mas sempre frequentava com a minha avó a Casa Branca, começou a se desentender com o meu pai dentro de casa por conta dessas visitas, ao ponto em que meu pai gritou com ela e disse que na casa dele ninguém cultuava demônio, e se minha mãe se atrevesse a voltar lá comigo, estava tudo acabado entre eles. Então desde o acontecido, eu não fui mais as festas daquele lugar bonito, com fitas brancas e muita alegria.

Bom, não que dentro de casa não houvesse, mas é que sempre ficava um clima chato, a minha avó não se dá bem com o meu pai e o meu avô preferiu não se meter, pois disse que a errada a minha mãe, por permitir as coisas chegarem a tal ponto. A tia Lica é iniciada para Oya, é a única depois da minha avó a continuar frequentando e não deixa de ouvir as cantigas dela, quando está em casa nos finais de semana, das quais até gosto de algumas. Então todo transtorno começa, pois é somente ela ligar o som, que o meu pai liga também com louvores absurdamente altos.

E é exatamente nesse momento, em que escolho sair de casa e somente volto quando está próximo a hora de dormir, pois sei que já acabou toda a agonia. Antes, quando pequena eu não entendia muito bem o porque disso tudo, mas agora com mais idade e esclarecimento suficiente, sei o quanto meu pai está sendo desrespeitoso e arrisco até dizer que intolerante, algo que sinceramente não aturo. Eu não sou do candomblé e nem de nenhuma religião atualmente, mas independente de qualquer coisa, acredito no respeito ao próximo e no direito que cada um tem, de escolher o que quer seguir na vida.

Foi com este pensamento que sair, pensando apenas em espairecer comendo alguma besteira em uma das lanchonetes ali perto, na Av. Cardeal da Silva. Em alguns metros, avistei Camila e Guilherme, na verdade eles me avistaram, estavam com a Frida na coleira que provavelmente estava fazendo suas necessidades, eles estavam me acenando com um saco na mão e eu rezei para que nele não tivesse fezes de cachorro. Nada contra a Frida, mas ninguém merece né?

Fui até eles que começaram a falar descontroladamente, e eu de primeiro instante não conseguir acompanhar, falei logo com a Frida que estava uma fofa de lacinho rosa, e então prestei atenção no que eles tanto estavam falando. Era sobre um caruru que aconteceria hoje na rua do Guilherme , na ladeira da Vila América, no outro Engenho Velho, o de Brotas. O Gui sabe que eu não recuso comida, ainda mais de graça, então nem precisou perguntar duas vezes e como boa taurina que sou já fiquei logo empolgada e esqueci de fato, dos problemas de casa.

Passamos no apartamento da Camila, que era ali na avenida mesmo, os pais dela não estavam em casa para variar, eu pedi um vestido dela emprestado pois não estava nem um pouco afim de voltar em casa e trocar de roupa, tampouco dar satisfações para onde estava indo. Pedimos um uber, que não demorou muito a chegar, e foi barato pois o destino era bem próximo.

Eu, AdaraOnde histórias criam vida. Descubra agora