É foda quando você escuta definições sobre você, através da boca de outras pessoas, e começa a se questionar sobre a sua própria personalidade. Eu tinha que parar com essa mania, de me afetar tanto com o que os outros falam sobre mim.
Eu estava muito chateada com o Lucas. A Bárbara no dia seguinte me enviou vários áudios, quase um podcasts, com pedidos de desculpas. Mas não era ela quem deveria se desculpar. O meu irmão foi inconsequente e irresponsável. E se haviam duas coisas que eu me aborrecia com alguém, eram justamente quando existiam estas posturas.
Deu para espairecer um pouco quando cheguei ao trabalho. As palestras foram realmente interessantes. Eu me envolvi de cabeça no trabalho naquele sábado, puxei assunto com algumas alunas do curso de Fisioterapia. Me chamou atenção as coisas que elas falaram, e realmente fizeram sentido. Fiz todas as atividades que a Juliana me pediu, e recebi alguns elogios pela minha agilidade e pro atividade no trabalho. Em um momento da palestra, foi abordado por uma das alunas sobre musculação para gestantes:
Movimentos como este, podem machucar o bebê dentro da barriga no período de gestação, ou o excesso de peso que se pega neste exercício de musculação, pode provocar um rompimento uterino e causar aborto do feto ainda no início da gestação, por isto é preciso evitar tanto esforço – a aluna de fisioterapia explicava com detalhes, vestida em um jaleco branco. O símbolo bordado ao lado do jaleco dela me chamou bastante atenção. Brilhou para mim na verdade. Outra coisa que me chamou a atenção, foi a Luana, que além de se oferecer para ser usada como exemplo de demonstração, a todo momento passava a mão pela barriga para confirmar os boatos.
É, ela estava realmente grávida. E eu não fiquei doída não. Não sinto inveja. Espero que ela realmente queira esta criança, e não esteja inventando de parir para segurar o Rodrigo. Não sei desde quando filho segura homem.
Na saída do trabalho, liguei para Dona Lu, que combinou comigo amanhã ás 9 horas. Me fez prometer que não tomaria café em casa, pois ela iria fazer algo gostoso para nós duas comermos juntas. Ela era mesmo um amor, lembrava muito minha avó. E eu já estava super apegada a ela. Era bom ter este vínculo. Aproveitei a ligação e perguntei se poderia ir á festa que o Luciano me convidou, ela riu e disse que eu poderia sim, que eu não precisava pedir para ela, pois tinha total liberdade de ir e vir a qualquer lugar. Agradeci e encerrei a ligação.
Desta vez fui para o ponto sozinha. Luciano despediu-se ainda na academia, ficou feliz ao saber que eu iria à festa no dia seguinte. Ele me confirmou o endereço e a hora. Trocamos WhatsApp e estava tudo combinado, nos encontraríamos na porta do terreiro. O ônibus não demorou desta vez e cheguei em casa, estava um completo silencio. Lucas não estava, para variar. Havia um bilhete de mainha, grudado na porta da geladeira com imã, dizendo que tinha ido visitar uma amiga. Eu estava sozinha em casa.
Aproveitei, tomei um banho demorado e lavei os cabelos. Coloquei uma música que eu gostava muito, na voz da Maria Bethânia. Se chamava "Reconvexo". Começou a tocar alto no celular e eu acompanhei cantando do lado de dentro do box:
"Eu sou a chuva que lança a areia do Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia ..."No meio da música, no embalo da água caindo pelo meu corpo, parei para pensar em quem eu sou. Quem eu quero ser daqui há alguns anos, e se estou contente com tudo que ando fazendo. Digo, não para os outros, mas para mim mesma. Eu tenho esse meu jeito intenso com as pessoas, não sei ser ruim com quem eu gosto e volta e meia estou disposta a ajudar se precisarem. A Abundancia dos meus sentimentos, me faz transbordar em pessoas rasas, e quase sempre eu me decepciono. Tomo para mim os problemas dos meus. Eu não sei onde vou parar, se continuar afluindo assim. Eu preciso aprender, pois o tempo passa e eu não quero ser uma coleção de mágoas.
Em menos de 3 meses vi tudo mudar em minha vida, e posso dizer que fui retirada da minha zona de conforto emocional. Na verdade, arrisco dizer que estou descobrindo agora quem realmente sou, sem a minha avó por perto para me proteger de tudo.
Podem achar que não, mas quando perdemos alguém que é como o nosso alicerce neste mundo, nos perdemos um pouco também, e a vida nos obriga a nos refazermos em tempo hábil. Depois de tanto pensar nas mudanças, pensei nas idas e vindas de pessoas em minha vida. Em quantas pessoas eu confiei, dei o melhor de mim e nem sequer tive o direito a reciprocidade da consideração. De uma vez por todas, eu preciso aprender o que a minha avó sempre me dizia ... " A gente só vale o que tem minha filha".
Embaixo da água do chuveiro forte, chorei um pouco. Me abracei. Aproveitei que estava sozinha e expus a minha fragilidade. Nem sempre é fácil ser forte o tempo todo, mas aos olhos das outras pessoas, a gente finge melhor, no silencio quando estamos sozinhos, geralmente decaímos. Quando cessei o choro, me recompus. A próxima música do Youtube, veio da playlist aleatória, eu não a selecionei. Chamava o "Canto de Oxum" , também na voz da Maria:
" Quando eu morrer
Voltarei para buscar os instantes
Que não vivi junto do mar "Achei o início impactante. Eu nunca tinha escutado aquela música. Parei para prestar atenção á letra:
"... Nhem-nhem-nhem
Nhem-nhem ô xorodô
Nhem-nhem-nhem
Nhem-nhem ô xorodôÉ o mar, é o mar
Fé-fé xorodô "Que música tranquila, passava uma paz a interpretação da Bethânia. A letra dizia que Oxum era uma rainha, que se mirava ao espelho, mas que também chorava junto aos seus filhos, pois se compadecia do seu pranto. Bom, eu não a conheço. Pouco sei sobre ela, tenho vergonha de encher a Dona Lu de perguntas, e ela me achar uma boba.
Mas tenho muitas. Onde ela vive? Eu posso vê-la em algum lugar, tipo no mar, como diz a música? Será que ela vai gostar de mim assim, ou terei que mudar? Do que ela gosta? São muitas as minhas dúvidas, mas eu tenho receio de perguntar. Vou tentar chegar a estas respostas por outros meios.
Alguns minutos depois, encerrei meu banho, porque mainha não é sócia da Embasa, e eu não tô pegando ninguém de lá. Dei pausa na música e fui direto para o quarto me vestir. Usei branco como nos outros dias da semana, e coloquei meus fios de conta no pescoço, conforme Dona Lu me ensinou. Já na cozinha, fiz uma salada, macarrão e carne. Deixei pronto para o restante da família, caso chegassem com fome, e quando eu já estava saindo da cozinha com o meu prato e suco na mão, dei de cara com o Lucas e a Bárbara. Eu estava tão distraída, que não escutei o barulho da porta destrancando. Pelo susto, acabei deixando o copo cair e quebrar. O prato chegou a balançar em minha mão, mas não caiu.
Eu olhei para o meu vestido, e estava sujo de vermelho, porque o suco era de acerola. Vou precisar me trocar. A Bárbara pegou o prato da minha mão e colocou na mesa, trouxe um pano para me limpar, enquanto o Lucas varria os cacos de vidro em silencio. Ele não estava falando comigo e não seria eu quem iria puxar papo. Depois de tudo limpo, fui para o meu quarto tentar comer em paz, até que escuto duas batidas na porta, respirei fundo, porque eu detesto que me incomodem quando estou comendo.
Posso entrar? - perguntou-me a Bárbara.
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Eu, Adara
RomantikQuando fui chuva, cai. Quando fui água, fluir. Quando me perdi, te encontrei.