12. O jogo de búzios

113 13 2
                                    

Alguns minutos depois, dona Lu já tinha voltado com duas velas e um quente frio que deduzi ser mais chá. Ela me perguntou se eu havia terminado a reza, respondi que sim, ela colocou a garrafa ao lado, me confirmando que era mais chá e que eu ficasse à vontade para me servir de mais um pouco, se quisesse. Um pouco inquieta e ansiosa, respondi que não queria chá e que já tinha as minhas perguntas em mente, e perguntei também se o Ifá iria demorar de chegar para darmos continuidade a conversa.

Sorrindo serena, me disse que ele não demoraria a chegar, pois estava bem ali na minha frente. Apontou para a mesa novamente, que agora estava descoberta e me disse que Ifá era como um orixá, responsável pelo oráculo de sabedoria da vida nessa terra e no mundo espiritual dos orixás, e que ele falava através dos búzios, nos encaminhando para o bem nos desígnios que temos a cumprir nesta passagem. Eu me calei, com vergonha né? Eu achei que ele era uma pessoa mds. Que burra eu.

Dona Lu pegou todos os búzios da mesa, fazendo um movimento meio circular, balançando eles nas suas mãos fechadas. Ela fechou os olhos e disse várias palavras que eu não conhecia, falou o nome de alguns orixás que eu já ouvi através das histórias da minha avó, e falou também o meu nome completo entre eles. Eu achei estranho, ela já saber meu nome todo, mas tudo bem. Como eu havia dito, o tempo estava estranho naquela manhã e eu senti uma energia vindo das folhas, quando ela despejou os búzios na mesa.

A mangueira balançou, e eu juro que sentia uma luz mais forte do sol em cima daquela senhorinha de rosa, que percebi entonar a voz e mais parecer outra pessoa falando, ao pronunciar a primeira frase após a queda dos búzios: Você é filha de Osun Adara, assim como eu. Mas você é filha da Osun de qualidade mais agitada, que também vai a caça, com muito enredo com odé. Assim como a mãe, você não tem medo de desafios e os caminhos da sua vida, estão sempre em constantes mudanças. Osun está me dizendo aqui, que é ela quem vai reinar no seu jogo hoje, e que você pode perguntar o que quiser, mais que tome cuidado com o que fará com as respostas depois daqui.

Aflita. Acho que a primeira pergunta estava estampada na minha cara. Eu queria saber como e porque minha avó morreu. Eu não sei, achei tudo tão precoce.

Dona Lu pegou os búzios, e fez os mesmos movimentos e depois de uns instantes o colocou na mesa, olhou um pouco para eles e balançou a cabeça como um, sim, sem dizer nada. Eu fiquei olhando, esperando ela me dizer algo e quando eu já iria perguntar, ela disse: O egum da sua avó, pediu passagem para te dizer que você não deve carregar essa mágoa do seu pai. A passagem dela foi encerrada nesta terra e tudo foi cumprido. A morte só precisa de uma desculpa e não deve ser vista como algo ruim. Pediu que você tente acalmar seus pensamentos, e que como sempre seja a cola da sua família. Mantenha os unidos. Se perdoe, perdoe o seu pai e a sua tia. Mesmo que eles não estivessem lá ou brigados, aquele seria o dia. Aceite. E siga, afinal você é a continuação.

Quando ela terminou de falar, meus olhos já estavam cheios dágua. A coisa mais difícil que esse espirito da minha avó poderia me pedir, seria isto de perdoar o meu pai. Eu ainda não consigo não vê-lo como culpado. Não compreendi muito bem sobre o lance de eu ser continuação, ficou meio vago para mim. A continuação de quê? Mas fez total sentido essa união, estamos mesmo precisando.

Dona Lu: Posso continuar minha filha? Me estendeu um lenço.

Adara: Secando os olhos, respondi que sim.

Dona Lu: Qual a próxima pergunta?

Adara: Gostaria de saber em relação a esse termo, de eu ser continuação, do que se refere?

Repetindo os movimentos, dona Lu jogou os búzios, dessa vez duas vezes seguidas e disse: Osun diz aqui, que por agora tudo que você precisa saber é que ela é a dona do seu Ori e estará sempre com você. Você é a continuação, por herdar a herança espiritual da sua avó e em um futuro próximo, também precisará ser iniciada. Mas ela diz para você não sofrer por antecipação, deixar fluir as águas e que assim ela te encaminhará para um bom lugar para você se cuidar. Até lá isso é tudo.

Adara: Está bem, e se eu não quiser me iniciar? Eu vou morrer? Eu acho bonito o candomblé, mas não conheço e não sei se quero isso para a minha vida.

Dessa vez, sem jogar os búzios, dona Lu me respondeu: Minha filha, dê tempo ao tempo, você é tão nova! Ainda há muito o que descobrir e viver nesta vida. A fruta só dá no tempo. Se for para ser, vai ser e se não for, não será. Certo? Orixá não mata ninguém porque não se iniciou. A gente é que se mata pelas escolhas erradas feitas na vida.

Adara: Tá bom. Pensei um pouco se deveria ou não perguntar sobre isso, mas acabei cedendo aos meus pensamentos e falei: A senhora pode ver aí se eu vou encontrar alguém para amar? Se eu serei feliz no amor?

Dona Lu fez os movimentos com os búzios, e depois os colocou diante da mesa. Respirou fundo e olhou para eles e depois para mim, sorriu e disse: Osun diz aqui, que filha dela não precisa de alguém para ser feliz no amor. O seu amor-próprio já te basta, e se você está se sentindo fraca com isso, passe a cultivá-lo todos os dias. Se cuide um pouco mais e verá. Mas ela me mostra aqui dois homens, que estão disputando a sua atenção no momento, e que caberá a você escolher. Ela só te pede para tomar cuidado, pois nem tudo que brilha e reluz é ouro. Há também uma terceira pessoa, que chegará como amizade, mas poderá ser algo mais afetivo se você deixar. Tudo será conforme a proporção que você dará. Você está no controle disso, minha filha.

Adara: Obrigada. Eu não tenho mais perguntas.

Dona Lu: Está bem-querida. Vou verificar se há mais algum recado para você vindo dos orixás. Ela movimentou os búzios e jogou na mesa umas quatro vezes, balançou a cabeça e me pareceu até estar conversando com alguém ali do seu lado mesmo. Demorou alguns minutos e começou dizendo: Exu, manda você ficar em alerta sobre uma pessoa da sua família que está com problemas de vícios e drogas. Está pessoa está em desequilíbrio emocional e espiritual, e precisa de ajuda. Muita atenção, para a situação não piorar e sair de controle.

Na mesma hora eu pensei no Lucas, e ela olhou para mim e disse, é ele mesmo de quem Exu está falando, o seu irmão Lucas. Fiquei em silêncio e ela continuou.

Dona Lu: Ogum manda te dizer que é para você tomar cuidado com os falsos amigos. A sua nova caminhada te trará bônus, pessoas novas e prosperidade, mas também muita inveja e olho gordo nas suas conquistas. Te passou até um banho de folhas. Já Xangô, aparece aqui para te dizer sobre a sabedoria nas escolhas em relação aos seus estudos. Ele diz aqui que você está aonde deveria estar, mas ainda não está fazendo o que é o seu dom, mas que ele irá te ajudar a se encontrar. E por fim, Odé te pede para começar a conhecer mais a sua mãe.

Adara: A minha mãe? Como assim, eu conheço bem a minha mãe.

Dona Lu: Quando ele fala a sua mãe, aqui ele está se referindo a Osun minha filha. Vou fechar o jogo, certo?

Adara: Está bem.

Dona Lu juntou os búzios, apagou a vela e cobriu a mesa com o pano branco que lá estava antes. Eu estava quieta por fora, mas barulhenta por dentro.  As minhas perguntas foram respondidas e clareou um pouco, mas, por outro lado, me peguei pensando muito. Tenho que acalmar essa mente. Antes de eu ir, dona Lu me perguntou se eu poderia voltar naquele sábado, pois tinha outras coisas para me passar, a respeito da minha mãe. Eu respondi que sim. Só sei que ela se chama Osun. Pouco sei sobre ela, na verdade sei o imaginário que "todo mundo" sabe, mas gostaria de saber mais.

Ajudei dona Lu com as coisas para pôr para dentro da cozinha dela, depois me despedi e fui, pois já estava perto do meio-dia e eu estava começando a sentir fome. Fui para casa bastante pensativa, sobre cada detalhe do que esse ifá me disse. Ele é mesmo um oráculo muito interessante. Depois que almocei, deitei para descansar, estava sozinha em casa e para não perder a hora, coloquei o celular para despertar. Minha aula hoje seria à noite, e foi até bom porque logo em seguida acabei cochilando.

Eu, AdaraOnde histórias criam vida. Descubra agora