O resto da semana passou rápido e sem muitos fatos importantes, não sei se foi a minha ansiedade pelo dia da entrevista ou porque o tempo realmente passou voando. A unidade na qual fui entrevistada foi a Smart da Pituba. Uma moça chamada Juliana me ofereceu água ou café, pegou meu nome e disse para aguardar, que em alguns instantes eu seria chamada. Aceitei a água, afinal eu já tinha tomado café. Era segunda-feira, umas oito da manhã e a academia estava super movimentada. Na passagem até a sala de entrevistas, procurei Rodrigo com os olhos rapidamente entre os equipamentos, e não o encontrei, mas também não perguntei sobre ele, acho que não pegava bem.
A moça que me entrevistou foi a mesma que ofereceu a água. A Juliana era alta e branca, dos cabelos pretos até a cintura. Muito linda e sorridente, seus olhos eram verdes e grandes, pareciam duas bolas de gudes. Ela me apontou a cadeira quando entramos na outra sala, e demos início a entrevista. Eu pensei que seria algo demorado ou intimidador, mas ela somente fez perguntas leves sobre a minha rotina, e me explicou que a vaga inicialmente era para estágio, no turno vespertino, das 14 às 22:30, somente de segunda a sexta, já que a recepção regular já trabalhava aos finais de semana. Disse me também que a vaga é preferencial de um estudante do curso superior em educação física, mas como eu fui indicada por um instrutor, foi dada a prioridade.
O desfecho foi que sair da sala com a Juliana muito feliz, ela me mostrou toda a unidade, e me apresentou para algumas pessoas como futura integrante da equipe. Fiquei procurando ele com o olhar novamente entre os aparelhos, mas dessa vez para agradecer. Acho que fui muito transparente, pois a Juliana percebeu e disse que o Rodrigo só estava por lá no turno noturno e em alguns casos o vespertino. Eu sorri sem graça, então a pergunta dela seguinte foi: De onde vocês se conhecem? – Eu respondi: Somos amigos, conheço a família dele. Ela então continuou: Ah, pensei que você fosse amiga da namorada dele ou algo assim, ela treina aqui conosco.
Tentei disfarçar meu brilho sumindo no momento, para digerir a informação. Foca no trabalho, Adara, você precisa do dinheiro. Juliana seguiu com o tour, e eu tentando acompanhá-la, mas a mente estava a mil: ele me disse que não tinha namorada. Ele mentiu?. A gente se beijou, ele traiu ela? Ah, puta que pariu.
Após conhecer a unidade, a Juliana me entregou duas camisas e um crachá escrito estagiário, me disse que entraria em contato na quarta para agendar o exame admissional e a assinatura dos termos de contrato, que seria de um ano. Falou da importância de eu usar um tênis, calça leaggin ou moletom preta, e está sempre bem arrumada fisicamente, afinal ficaria na recepção. Eu agradeci a oportunidade e sai colocando os itens que ela me deu na bolsa.
Fui em direção ao ponto, pois hoje decidi que após a entrevista iria à casa da moça que era amiga da minha avó. Com o bilhetinho na mão e a boca que Deus me deu, cheguei na porta dela. Essa senhora morava no bairro de Amaralina, não estava tão distante da onde eu estava. Chamei algumas vezes no portão e uma voz fina disse, já vai minha filha. No espaço entre o portão e a varanda dela, havia muitas plantas, dois pés de bananeira enormes, um de cada lado, e muito verde. Senti uma paz naquele lugar.
Ela veio devagarinho com sua bengala, abri o portão para mim. Quando me viu, me sorriu com a boca e com os olhos. Estava vestida em um tipo de camisola rosa clarinho, como as que minha avó usava, veste que mais tarde eu descobri se chamar Kafta. Se apresentou como Lucinha, ou só Dona Lu de Osun, e quando eu fui dizer o meu nome, ela me interrompeu dizendo: Eu já te conheço Adara, foi aqui que escolhemos o seu nome. Eu me arrepiei toda na hora. Fomos para o fundo da casa, que também era grande e com muito verde, ficamos sentadas em um banco embaixo de um lindo pé de mangueira, que tinha um pano branco amarrado no meio do tronco em formato de laço.
Dona Lu me ofereceu chá, eu aceitei. Olhei no relógio e ainda não era nem dez da manhã, mas eu olhava para o céu e o tempo parecia estar diferente naquela manhã. Em passos lentos ela entrou e trouxe uma bandeja, eu prontamente me levantei para ajudá-la, quando a vi saindo da cozinha. Era chá de cidreira. Meu chá preferido. Cheirava a casa toda e enchia meu peito de saudade. A minha avó quem me ensinou a tomar gostos por chá.
Como se lê-se meu pensamento, dona Lu começou dizendo: Minha filha, eu soube que você viria, no momento em que ela partiu. Você se sente perdida agora né?. Balancei a cabeça que sim. E realmente, eu me sentia meio desnorteada, meio sei lá, não sabia ao certo que rumo estava dando em minha vida. Tudo mudou em tão pouco tempo.
Dona Lu continuou: Eu e a sua avó fomos muito amigas, mais que amigas, eu fui a sua mãe criadeira no roncó, quando ela decidiu se recolher.
Neste momento da conversa, me fiz atenta, terminei o chá e deixei a minha xícara de lado.
Lucinha: No período em que a sua avó fez o santo, a sua mãe conheceu seu pai, minha filha. Apaixonada por ele, os dois não demoraram e fizeram você. Sua avó trouxe sua mãe aqui em casa, quando ela quis, em uma briga por infidelidade do seu pai, abortar você. Então sua avó trouxe ela até a mim, ela veio achando que eu seria a abortadeira, você acredita nisto minha filha? Tenho cara de quem tira menino? Logo eu, filha da Osun. Me disse assim com um leve tom debochado, naquela voz fina e cansada, segurando sua xícara com uma delicadeza, como se segurasse uma pena.
Adara: É. Realmente, a senhora não tem cara que faz isso.
Lucinha: Pois bem, ela entrou com essa cabeça de loucura na minha casa e saiu com seu nome escolhido e chá de bebê marcado. Aqui, disse apontando para uma mesinha coberta com um pano branco, eu digo somente as verdades que a minha mãe Osun permite dizer, e que às vezes as pessoas precisam saber.
Eu me mantive silenciosa, então ela prosseguiu.
Lucinha: E você, minha filha, veio sem nenhuma loucura em mente, mas está disposta a saber de algumas verdades?
Respondi que sim. E então dona Lu levantou o pano revelando uma mesa com muitos búzios, sementes, e guias em volta. Ela disse me que iria buscar uma vela, e que não se demorava, mas enquanto isso, era para eu rezar um pai nosso e ave-maria e pensar bem sobre as perguntas que eu tinha vontade de fazer a Ifá.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Eu, Adara
RomanceQuando fui chuva, cai. Quando fui água, fluir. Quando me perdi, te encontrei.