Acordei apressada, faltavam quinze minutos para as dezoito horas e a aula começaria dezoito e trinta. Eu nem escutei o despertador. A sorte é que eu moro perto do campus. Não dava tempo de muita arrumação, hoje eu iria de havaianas e coque mesmo. Olha, não sei vocês, mas eu gosto de me arrumar. Gosto de sair organizada. Para a pessoa me vê por aí andando largada, é muito raro, só se eu estiver doente ou muito atrasada.
Cheguei à aula e ainda não tinha começado. Havia mensagens do Bruno e do Rodrigo na barra de notificações. Guardei para vê-las mais tarde. Prefiro-me concentrar na aula, homem não gera futuro. Quem disse que consegui me concentrar? Os pensamentos voltavam para o jogo de dona Lu, as coisas que ela havia me dito não saíram da minha cabeça. Muito novo para mim esse tanto de informação. Apesar de ter minha avó dentro da religião e ser tão próxima, esse tempo todo, eu nunca me aprofundava. E agora descobri que tenho herança espiritual, que tenho uma mãe e vários orixás se importam comigo. Ainda sem ter noção de como lidar com tantas novas informações, decidi que por enquanto não vou comentar com ninguém, nem com mainha, não sei como ela reagirá.
Não sei se foi a aula que passou depressa, ou eu que não prestei tanta atenção, só sei que já eram oito e vinte da noite, e todos estavam saindo da sala. Quando eu estava me levantando para sair, a Milena veio em minha direção. Nos cumprimentamos e fomos conversando em direção à moça que vendia brigadeiro na saída do PAF, eu estava sedenta por doce esta semana, sinal de que a vermelha estava próxima. Comprei logo uns quatro, enquanto a Milena só pegou um.
Eu não entrei em detalhes com a Milena sobre o jogo, mas demonstrei interesse em saber mais coisas sobre a religião. Ela me contou por alto sobre a festa que teve no dia em que ela saiu apressada, e me disse que candomblé era muita responsabilidade. Que as obrigações careciam de tempo e muita organização. Eu fiquei calada, só ouvindo, atenta a tudo, e ela ao perceber meu interesse logo me convidou, disse que na próxima festa que tivesse na roça dela, iria me mandar convite e ensinar o caminho. Trocamos números e ela ficou de me mandar um oi no Whatssapp.
O assunto se encerrou quando na portaria, perto do estacionamento, avistamos o Bruno. Percebi que a Milena ficou muda, talvez ate desconcertada e eu não entendi bem o porquê, mas deixei passar. O Bruno quando nos viu abriu um grande sorriso, mas não veio em nossa direção. Milena se despediu de mim, dizendo que iria pegar o LB3, eu fui tranquila comendo meu brigadeiro, em direção ao ponto do buzufba, gosto de pegar ele, pois me deixa mais perto de casa. Passar pela Cardeal da Silva a essa hora da noite caminhando sozinha, não é legal. Nunca me ocorreu nada, mas prefiro não facilitar para não perder meu celular.
O Bruno continuou conversando com os amigos lá na rodinha dele, e eu achei estranho ele não vim até mim. Sei lá, talvez eu já esteja me achando muito, é que o mundo dele não gira em torno de mim né, que louca. Peguei o celular para passar o tempo, quando eu fui abrir na conversa do Rodrigo para responder às mensagens, chegou mensagem do Bruno: posso chegar aí dona moça? Quer acarajé? , eu ri. Ele estava a menos de quinhentos metros de distância, mas enfim. Respondi que sim para ambas as perguntas, foda se que eu vou misturar azeite de dendê com chocolate, o que tem? Não pega nada. E se pegar, vai ser pouca coisa.
Não demorou nem dez minutos, ele veio caminhando na minha direção. Todo sorridente, gaiato, todo menino. Eu acho fofo esse jeitinho dele. Se despediu dos amigos com gracinhas, eu percebi daqui. O sorriso dele é tão leve, tão diferente do Rodrigo, que até sorrindo parece sério, só se abre quando fala da filha. Eu tenho que parar de comparar os dois, isso só piora a situação, porque uma hora eu vou ter que me resolver.
Chegou. Beijou minha cabeça e colocou o saco com duas acarajés no meu colo. Sentou não tão perto, mas perto o suficiente para eu sentir o cheiro da loção pós-barbear e o perfume Malbec. Com o sorriso mais doce, me perguntou se eu estava bem e como foi o meu dia. Para ele eu senti que poderia contar, mas ainda não era o momento. Eu tinha que digerir as informações primeiro, para depois compartilhar com outra pessoa. Então contei todo o meu dia, omitindo a parte da casa da dona Lucinha. Bruno no momento era uma pessoa de confiança para mim, eu me sentia bem em conversar com ele e qualquer assunto rendia boas risadas.
Ele ficou feliz por mim, sobre o emprego e tal. Disse que Exu abriria os meus caminhos muito mais e eu teria outras conquistas, porém senti uma diferença na voz quando ele perguntou sobre a minha interação com o Rodrigo, eu não conseguir responder, fiquei com a boca seca, então ele disse: Não precisa responder Dara. Já sei. Tudo sempre foi assim, o Rodrigo sempre quis tudo que pude ver primeiro. Sempre querendo se sobressair. Ele sabe que eu te quero. E como eu quero. Apenas me responde uma coisa, eu devo continuar ou parar aqui? Você está se sentindo bem com ele ou comigo? Você gosta do Rodrigo Adara?
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Eu, Adara
RomanceQuando fui chuva, cai. Quando fui água, fluir. Quando me perdi, te encontrei.