capítulo doze.

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Hailee:

Na semana seguinte, estou na fila para comprar um lanche e um chá quente na barraquinha de café do térreo da
Biblioteca Carnegie quando uma silhueta magrela de capuz preto fura a fila exatamente na minha frente.

Encaro a pessoa, minha raiva queimando o moletom dela enquanto pega um suco de laranja e um bagel de canela embrulhado em plástico na vitrine refrigerada.

Ei, cara, tem fila aqui.

Abro a boca para reclamar, mas decido deixar para lá. Não adianta brigar por uma coisa dessas, especialmente no meio da biblioteca.

— Você vai me deixar furar a fila assim? — pergunta a pessoa encapuzada, em uma voz que conheço até demais.

— Meu Deus do céu. Você não tem mais ninguém para perturbar? — pergunto quando S/n se vira para mim.

— Sabe, já pode parar de fingir que não gosta de mim.

Ela abaixa o capuz, abrindo um sorriso que diz que se acha superengraçada por aparecer desse jeito.

— Pode deixar — respondo, seca, escolhendo um biscoito amanteigado embalado na cestinha de vime em cima da vitrine. — O que você está fazendo aqui? Além de me encher o saco.

— Ai.

Ela faz uma careta, levando uma mão ao peito antes de me mostrar o livro que carrega debaixo do braço.

— Sobre o que é? — pergunto, virando a cabeça de lado para analisar o livro de fantasia de mais de mil páginas.

— Ainda não sei — diz S/n, dando de ombros e colocando o suco e o bagel no balcão, na frente do caixa. — Acabei de pegar em uma estante no último andar.

— Você pegou um livro qualquer de uma estante qualquer e vai ler sem fazer ideia do que se trata? — pergunto, incrédula.

Ela dá de ombros de novo.

— A graça não é ler e descobrir?

Ela paga o lanche e se afasta, abrindo espaço para eu fazer o mesmo.

— Pode me ver um chá Darjeeling médio, por favor? — peço ao caixa, e volto a atenção para S/n, que está abrindo a embalagem do bagel com os dentes, que nem um animal.

Olho de novo para o livro, cuja capa desbotada tem uma ilustração de cavaleiros e criaturas míticas, todos enroscados sob um céu verde. Parece algo que meu irmão gostaria, mas definitivamente não é meu estilo.

— Parece… interessante — digo.

— Sua mãe nunca te ensinou a não julgar livro pela capa? Falando nisso, já pegou o número da Cora?

— Por que é “falando nisso”? — pergunto, olhando ao redor enquanto pego o chá no balcão, antes de arrastar S/n para um canto mais isolado. — O que seus hábitos bizarros de leitura têm a ver com a Cora? E você pode, por favor, parar de gritar o nome dela em público?!

— Bom, você gosta dela porque a capa é bonita — diz S/n, como se fosse a resposta mais óbvia do mundo.

Ela deve notar meu olhar de confusão, porque finalmente acrescenta:

— Ela é gata, né?

— Não. Quer dizer, sim, mas não é… Eu gosto dela, de tudo nela.

— Bom, você não sabe disso de verdade. Assim, você mal trocou duas palavras com ela.

— Troquei, sim.

Sinto que estou me chateando.

— Estudei com ela na escola por quatro anos — acrescento.

— Tá, mas você falou com ela nesses quatro anos? — insiste ela.

Decido ignorar.

— Ainda assim, ouvi falarem muito dela. Além disso, passei a festa toda sentada ao lado dela. Nós duas queremos ser escritoras. Temos muito em comum.

Eu me pego sorrindo para o futuro fantasioso sobre o qual pensei muito.

Vamos virar escritoras e passar as noites em casa, vendo reprises de Wynonna Earp. Depois, vamos nos mudar para o subúrbio onde crescemos, para ficarmos perto da família, e…

— Bom, assim, você conhece ela tão bem quanto eu conheço… a Olivia Wilde. Sei o que vejo no Instagram, o que ela expõe ao mundo. Sei que nós duas gostamos de música indie, mas não conheço ela. Que nem você não conhece a Cora. Pelo menos por enquanto.

Respiro fundo, me lembrando de com quem estou
conversando. É S/n Blackwood, a pessoa que dá em cima de garotas aleatórias que não são sua namorada. Claro que ela acha beleza o mais importante.

— Olha, você não entenderia. Tá bom?

Puxo minha mochila e guardo o biscoito no bolso da frente, para comer mais tarde.

— Por que não? — pergunta ela.

Rio, considerando a pergunta retórica, porque me parece óbvio.

— Não, por que eu não entenderia? — repete.

— Bom, obviamente você não sente a mesma intensidade pela sua namorada, senão não ficaria flertando com a Cora na festa — digo, dando de ombros. — Se sentisse o que sinto, nem desejaria fazer isso, porque já teria tudo o que quer.

Ela me observa em silêncio por alguns segundos, a expressão mudando de raiva para mágoa e para indiferença.

— Tá, talvez você esteja certa — diz, finalmente, esticando a cara e mordendo a bochecha.

Vejo que não é exatamente o que ela quer dizer, mas, mesmo assim, ela segue em frente.

— E aí, já pegou o número dela? — pergunta.

— Não.

A verdade é que tentei a semana toda. Sempre que vejo ela, bolo um plano para puxar assunto e criar coragem de talvez pedir o número. Mas controlar a neura é muito mais difícil quando se trata de Cora Myers e não de um cara qualquer da escola. Não consegui ir além de sorrir e acenar. A não ser que a gente conte a última quarta-feira, quando passei por ela na frente do Market. Estava prestes a cutucar o ombro dela e cumprimentá-la quando tropecei no nada e caí de cara no chão aos pés dela. Não era exatamente a melhor hora para pedir um número de celular.

— Ainda não encontrei o momento ideal — digo para S/n, mas sei que soo defensiva.

— Você sabe que todo dia que passa sem o número dela é um dia em que ela pode dar o número para outras pessoas — diz ela, tomando um gole de suco de laranja enquanto meu coração cai até a barriga.

Ela está certa. Preciso resolver isso. Logo.

— Você não pode me ajudar? — imploro, olhando para ela, mas S/n não está mostrando nenhum sinal de dó.

— Primeiro você me insulta, depois vem com essa? — pergunta, mas suaviza a expressão. — Hailee, eu já te ajudei. No café.

— Preciso que seja mais direto. Não pode me ajudar pelo menos a criar o momento? Você que é a mente brilhante por trás disso tudo, não é? — pergunto. — Não tem nada no seu plano?

Ela solta uma gargalhada.

— Claro que está no plano. O plano é infalível. Sólido. Que nem concreto.

Meu celular apita com uma mensagem da minha mãe, uma foto de Leonard vestindo uma capa de chuva amarela. Olho para o horário. Suspiro.

— Merda.

— O que foi? — pergunta Alex, dando mais uma mordida enorme no bagel.

— Vou me atrasar para a aula. Alguém desistiu de Introdução à Ficção e consegui pegar a vaga, mas fica lá no terceiro andar da Catedral — digo, guardando o celular no bolso. — Depois me conta sobre o plano sólido que
nem concreto?

— Claro, tranquilo.

Tento lembrar para que lado fica o prédio. Quando me viro na direção da saída sul, S/n segura meu ombro e me vira no sentido completamente oposto.

— A Catedral fica… para lá, Steinfeld.

— Eu sei — minto.

Ando o mais rápido possível, saindo pela porta e atravessando a rua, tentando deixar tudo que ela disse para trás. Toda aquela baboseira sobre eu não conhecer a Cora. Não pedi a opinião dela. É só para ela me ajudar com
o plano, me ensinar a fazer essas coisas que nunca fiz. Só preciso disso. Se ela me der isso, vai dar tudo certo comigo e com a Cora.

Confiro o horário de novo. Não devia ter deixado S/n me distrair.

Provavelmente vou acabar me atrasando para a aula, sendo que já perdi a primeira semana.

Que maravilha.

Ela Fica Com A Garota • Hailee Steinfeld and YouOnde histórias criam vida. Descubra agora