Capítulo 10: A incompreensão entre nós

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O pequeno quarto, antes de solteiro, agora tinha duas camas, deixando sem espaço para a mesa de trabalho. As paredes, repletas de papéis pregados, e livros em pilhas que iam do chão até a parede, compunham uma estranha imagem que era acolhedora. Agora, o cheiro de remédios e ervas se impregnava ali, e uma pilha de roupas se acumulava em um canto.

Uma janela que dava para o jardim deixava as paredes de madeira mofada menos desconfortáveis ao permitir a luz do dia entrar no cômodo. Um estranho sentimento de nostalgia se misturava com o desconhecimento, formando um déjà vu pelo ambiente ter semelhanças com o passado.

Era hora da ceia, e naquele pequeno cômodo, duas pessoas, um jovem e uma moça, comiam conversando sobre o dia e assuntos diversos. Sentavam-se na mesma cama, como sempre haviam feito, e compartilhavam em alguns momentos, os mesmos utensílios, esquecendo em muitos momentos da malícia que existe no mundo.

Por horas, a jovem se esquecia dos trajes que usava e deixava seu corpo, não mais infantil descoberto, o que causava desconforto no rapaz. Mas mesmo nesses momentos, um sentimento de irmandade permanecia, mantendo a situação em uma paz monótona.

A camisola branca de cetim, revelava a beleza da pele da jovem, bem como os ferimentos adquiridos, agora tapados por grandes curativos em suas costas, pernas e rosto. Mesmo enferma, sua figura frágil se assemelhava a uma estrela que tinha caído no chão, trazendo conforto que cobiça aos olhos.

Sua ignorância em relação à própria aparência, piorava a situação, e fazia seu companheiro, manter altas barreiras ao seu redor, para proteger a relação de família que existia entre eles. Daquele jeito, as refeições eram agradáveis na presença um do outro, tomando sopa e jogando papo fora.

Foi quando algumas gotas de sopa ficaram no rosto da moça, e ele prontamente limpou-a com seu lenço, que ambos perceberam quanto tempo tinha se passado naquela conversa.

— Joah! Já te disse que não precisa me tratar assim! Eu sei me limpar, não sou um bebê.

— Mas você está doente, então me deixa cuidar de você. — Falou o jovem fazendo uma cara de cachorro abandonado.

— Tá bom, tá bom... mas eu ainda não entendi porque você precisa trabalhar com o Príncipe. — Disse Aurora tomando mais um colherada de sopa.

— Eu também não entendi, eu fico com azia só de pensar nisso! Dizem que ele corta a cabeça de qualquer um que cometa um erro!

— Nossa! Mas deve ser verdade mesmo, porque da primeira vez que o vi, ele deu um tapa no meu rosto!

— O que?! Você já o viu? Onde? — Foi com a pergunta de Joah, que Aurora percebeu que tinha dado com a língua nos dentes.

Era óbvio que ninguém de sua família sabia que ela tinha conhecido Perseu, pois no dia do ocorrido ela havia saído às escondidas. Por isso, rapidamente ela tratou de mudar de assunto, dando uma desculpa esfarrapada.

— Eu estava só no centro fazendo compras pra Ama, e daí ele apareceu lá... sei lá né.

— Hummm... — Ele não parecia convencido disso, mas não puxou mais o assunto, pois não queria acabar com a pequena paz que tinha ao lado dela no fim do dia de trabalho.

Assim, se levantou e recolheu os pratos, entregando uma maçã e um pão doce de sobremesa para Aurora. Depois levou as louças até a cozinha, e retornou para o quarto. Quando o rapaz chegou no quarto, notou-a próximo à janela, e a maçã e o pão tinham sumido.

Ela rapidamente se sentou na cama, fingindo não percebê-lo chegando.

— Já comeu a maçã?

— Sim, estava muito deliciosa! — Respondeu com um sorriso Aurora.

A princesa e o Dragão: O retorno - Segundo LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora