5. Letícia

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Acordo com dor de cabeça

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Acordo com dor de cabeça.

Me espreguiço, demorando a reconhecer o quarto iluminado pelo sol.

Quem dorme com esse tanto de luz?

Minha testa lateja. Exagerei ontem, mas foi preciso. Somente algumas doses de vodca poderiam me soltar o suficiente para interpretar meu papel com tanta maestria.

A cortina está fechada, mas os raios passam inevitavelmente, sem incomodar o homem ao meu lado.

Ele é quase tão charmoso quanto o primo: cabelos loiros fartos, um corpo esguio, mas que daria inveja a qualquer crossfiteiro, e, por trás das pálpebras fechadas, sei que estão olhos de um verde esmeralda.

Me movimento com cautela, tentando não acordá-lo. Imagino que não vá ser uma tarefa difícil, considerando tudo que bebemos na noite anterior. Encontro minha calcinha jogada na cama e a visto, enquanto busco pelo resto das minhas roupas. Recordo, rapidamente, do que vivemos juntos: música alta demais para uma conversa decente, entre drinks fortes o suficiente para apagar qualquer informação fornecida na noite anterior pelo próprio Luca Morelli Gatti.

Que bom que eu já sei tudo sobre ele.

Prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e coloco a saia que encontro jogada no chão.

Para um plano B, a noite foi bem mais prazerosa do que eu esperava. Não me incomodo de ir pra cama com um homem qualquer, contando que ele seja atraente e gentil e, para a minha sorte, Luca se mostrou os dois.

Ele faz um barulho entre os lençóis, a mão se estende pela cama, os dedos roçam o lugar onde eu estava há poucos minutos.

Merda, ele parece prestes a acordar.

Tentando ser o mais sorrateira possível, puxo a minha blusa, que está bem embaixo do pé dele. Ele se remexe e começa a se espreguiçar... Abro a porta e me lanço para o corredor, enfiando a blusa de qualquer jeito.

Na sala do seu apartamento, encontro minhas botas sobre o tapete felpudo onde, na noite anterior, deixei Luca me deitar e lamber um shot de tequila direto do meu umbigo. A vista estonteante do lago me distrai por um momento.

O apartamento é amplo e moderno, em tons neutros que o deixam ainda mais sofisticado. É recheado de eletrodomésticos de última geração, mas, apesar de toda a opulência, me parece um pouco frio, nada aconchegante. Livros de medicina estão espalhados pela mesa de jantar e tenho a impressão de que, se eu abrir a geladeira de duas portas na cozinha, apesar de ter espaço para alimentar uma família inteira, não vou encontrar quase nada.

No rack embaixo da TV, há vários consoles de videogames que não reconheço e apenas uma foto de Luca com os pais. Parece ter sido deixada ali pela mesma pessoa que pendurou o único quadro que está na parede, uma arte abstrata em preto e branco que fica atrás do sofá cor de marfim. Imagino que tenha sido a mãe dele.

Numa poltrona, vejo minha bolsa jogada. Assim que a agarro, a porta do quarto se abre e Luca aparece. Ele usa uma bermuda de moletom cinza, pendura as mãos na nuca. Tento não rir da sua cara amassada.

- Ei, já está indo?

- Sim, tenho um compromisso...

- Que isso, hoje é domingo...

- Pois é, mesmo assim.

- Fique pelo menos para o café da manhã...

Me encaminho para a porta, sem dar muito papo pra ele. Se tivesse sido uma noite normal, eu ficaria. Tomaria um longo café da manhã e riria do seu jeito de moleque. Mas tenho um papel muito específico para interpretar.

- Não, obrigada, gato - dou um beijo na sua bochecha e vejo que ele franze o cenho quando me escuta chamando-o de "gato".

Que brega.

Quero fazer uma careta diante da minha própria fala, mas tento parecer natural.

- Eu posso fazer torradas... - vejo que ele duvida se pode mesmo. Ou se ele tem torradas.

- Qual é, gato, não tem nada nessa cozinha! - abro um sorriso e vejo que acertei. Ele esfrega os cabelos atrás da cabeça, deixando-os arrepiados.

- A gente pode pedir alguma coisa...

- Prefiro comer na rua, gato - repito mais uma vez pra deixar bem claro. Dessa vez, ele parece não ter dúvidas.

- Luca - ele diz. - Meu nome é Luca... Já se esqueceu?

- Ah, é mesmo! Foi uma noite agitada - finjo, me sentindo meio mal por ser a responsável por esse rosto magoado. Concedo um pequeno desvio da minha rota: - Gostei de te conhecer, Luca.

Seu sorriso se abre com facilidade. Essa deve ser a principal diferença entre os primos. Não é preciso quase nada pra fazer esse cara sorrir.

Sei que o primo não é assim.

Já estou abrindo a porta, quando ele passa por mim, fazendo questão de abrir ele mesmo.

- Pra você voltar, deixa que eu abro. Escuta, Letícia, me dá seu número? Podemos combinar algo mais tranquilo...

- Foi mal, gato - me odeio por ter que ser assim, mas não hesito antes de terminar a frase que ensaiei algumas vezes: - Não quero nada sério. Mas você é.. ótimo! A gente se vê!

Entro no elevador, deixando para trás um loiro gostoso, um café da manhã que me garantiria algumas risadas e, talvez, mais uma visita à cama do Luca à tarde.

Eu jamais desperdiçaria um homem desse se estivéssemos em condições normais, mas cada fala e ação fazem parte de um plano maior.

E estou me dedicando a ele nos mínimos detalhes.

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