8. Matias

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Não tem quase nada para fazer em Bruxelas

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Não tem quase nada para fazer em Bruxelas.

Depois da Provence, viemos para a Bélgica, mas, em menos de uma semana, a maioria das opções para turistas já está esgotada. Já provei as cervejas locais e visitei o museu do chocolate. Já vi o famoso chafariz do garotinho fazendo xixi tantas vezes que perdi a conta.

Não é a minha primeira vez aqui e não estou interessado em turismo, mas a alternativa a acompanhar o Pedro enquanto ele descobre a cidade é seguir meu pai e seus puxa-sacos por reuniões inúteis.

As reuniões que valem a visita à cidade já foram feitas: vou vender cerveja belga e as famosas batatas-fritas com exclusividade nos nossos mercados.

Talvez eu seja um pouco viciado em batata-frita, penso, enquanto coloco um boné velho, uma roupa de correr e saio para o fim de tarde nublado, já planejando uma parada na barraca de batatas no cone na volta.

Corro o máximo que minhas pernas aguentam, depositando toda a minha irritação na rota pelo centro histórico de Bruxelas. Começa a escurecer e vejo que alguns barzinhos já estão ficando cheios. Pondero se seria uma boa ideia chamar o Pedro para uma cerveja mais tarde. A nossa saída em Paris me custou mais estresse do que eu planejava.

Eu costumava ter mais liberdade em viagens ao exterior, mas, aparentemente, agora todo lugar tem alguém capaz de me reconhecer - um dos ônus de ter feito a empresa entrar para as 10 maiores do país.

Eu não vejo erro nenhum em ter uma noite casual com uma francesa, mas o problema é que meu pai tem essa convicção de que um bom CEO deve passar uma imagem que reflita a empresa. E, para ele, essa imagem deve ser a de um homem casado e sério, alguém que inspire confiança e não um "baladeiro" e "conquistador barato" - nas palavras dele. Eu jamais usaria "barato" para me descrever. Tudo que eu faço custa muito caro - tanto para o bem quanto para o mal.

Quase dou risada quando me lembro do discurso inflamado a favor da família que ele deu nesta manhã, quando alguém me fez o desfavor de enviar a reportagem pra ele.

A verdade é que meu pai é um grande hipócrita. Eu e Dafne sabemos muito bem que ele está longe de ser o exemplo de um bom pai de família ou até mesmo um bom marido. Ele não passaria nem no teste dos Maridos Medianos Que Não Estão Fazendo Mais Do Que A Obrigação - caso um teste assim existisse.

Porém, ele é muito bom em manter suas escapadas bem longe dos tabloides. E até de pessoas próximas.

Poucas pessoas conhecem a verdadeira face de Marcelino Bernardi.

Infelizmente, sou uma delas.

A minha corrida termina perigosamente perto da barraquinha de batata frita no cone. Meu celular vibra com uma mensagem de Pedro perguntando se eu topo sair para uma cerveja. Percebo que tenho uma ligação perdida da minha secretária, com uma mensagem que me surpreende.

Já perdi a conta de há quantos anos trabalho com Ruth e - se não me engano - ela nunca ficou doente.

Pela primeira vez, ela parece estar.

Imagino que esteja quase em estado terminal para me mandar uma mensagem dizendo que está se sentindo "levemente abatida". Ela é uma dessas senhoras duras na queda que acham inadmissível faltar a um dia de trabalho sequer. Também já perdi a conta de quantas vezes ofereci que ela tirasse um dia de folga. Ela negou todas as vezes, o que me fez parar de oferecer.

Tive que praticamente obrigá-la a contratar uma nova assistente. Se dependesse dela, ficaria no escritório até eu ir embora - o que costuma ser bem tarde.

A minha vez na fila da barraquinha chega e peço um cone recheado. Tiro uma selfie e envio para Ruth, que também tem uma paixão por fast food e porcarias gastronômicas em geral. Ela é a cobaia perfeita para todos os biscoitos e snacks novos que vendemos no Di Esquina.

A galeria de mídias da minha conversa com Ruth é a coisa mais próxima que eu tenho de uma rede social. Por causa da perseguição por notícias do solteiro brasileiro mais cobiçado da Forbes, precisei apagar todas as minhas redes sociais. Simplesmente não suportava ler tantas mensagens absolutamente interesseiras.

Além disso, preciso sempre estar alerta a pessoas aleatórias querendo descobrir como entrar em contato comigo. Por isso, meu whatsapp tem apenas uma foto de costas e nenhuma indicação do meu nome. Quando salvo o contato de alguém, apareço apenas como um ponto para preencher o campo do nome. A pessoa precisa salvar o meu número com o nome que ela quiser para que não pareça que ela está falando com um fantasma.

Assim, garanto que apenas as pessoas para quem eu dei o número vão saber com quem estão falando. 

Envio uma mensagem pra Ruth com a selfie, sabendo que vai aparecer na tela dela com o apelido B. Boss, que ela inventou pra mim na primeira semana de trabalho.

B. Boss: Melhoras, Ruth! Descansa! Vou fretar um avião apenas pra mandar essas batatas quentinhas pra vc!

Sec. Ruth: Elas chegariam murchas, BB.

B. Boss: E se eu fretar um foguete?

Sec. Ruth: Murchas do mesmo jeito. Dinheiro não é tudo.

Ela me manda uma foto dela mesma com uma caneca do que parece chá e me sinto orgulhoso por ter conseguido que ela aprendesse a tirar selfies. A foto sai meio torta e imagino que ela tenha usado a câmera traseira, em vez de mudar a câmera como eu ensinei algumas vezes, mas... Uma vitória de cada vez.

B.Boss: Tire uma semana de folga, Ruth. Já não contratou uma assistente? Qualquer problema, resolvo com ela. Me passe o contato dela.

Sec. Ruth: Nem pensar! Amanhã estarei nova! Boa viagem, aproveite as batatas.

B.Boss: Vou levar pra você e elas vão ficar boas. Aposta quanto?

Sec. Ruth: Aposto um rocambole que vão chegar murchas e velhas que nem eu!

Gargalho, enquanto mordisco uma batata a caminho do hotel. Decido que uma cerveja vai cair bem. De tão teimosa que é, Ruth não me passou o contato da nova assistente, mas não quero atormentá-la. Com certeza, o diretor da área Jurídica conseguirá isso em dois minutos com o RH e, convenientemente, estou prestes a encontrá-lo para uma noite de cerveja, belgas e mais batatas.

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