Acordo me sentindo culpada.
Geralmente, isso acontece logo depois que me permito demais.
Tenho vontade de ajoelhar e pedir perdão.
Não a um padre, ou a Deus, ou à Igreja.
Quero pedir perdão a ela, mas ela não está mais aqui.
Eu não deveria me divertir. Não nessa situação, não enquanto estou aqui por ela.
Mas me deixei levar pela simpatia de Luca e, confesso, pela visão daquela barriga sarada.
Por isso, hoje não encontro forças para responder sua mensagem.
Talvez se ele fosse um cara aleatório...
Talvez se ele não fosse apenas um degrau para chegar a Matias Bernardi...
Talvez se ele não fosse dessa família...
Aí - talvez - eu levaria esse caso adiante.
Mas provavelmente estou me enganando.
Sempre que começo a gostar de alguém, as palavras da minha irmã me invadem, rasgando meu peito. O sofrimento dela endureceu meu coração de tal forma que não me sinto capaz de entregá-lo à ninguém. E mesmo se - um dia - eu tivesse a intenção de dá-lo de presente a alguém, eu só teria um pedaço de pedra para dar.
Tenho vontade de responder, de abrir um vinho, enquanto troco mensagens sacanas com um loiro gostoso, mas... Essa não é a minha vida. Não é para isso que estou aqui.
Tomo um banho rápido, visto uma camiseta velha do pink floyd e abro a porta do meu quarto - se é que um sótão caindo aos pedaços na casa da minha avó configura um quarto.
A casa da vovó não é pequena: tem três quartos, sala e cozinha no térreo, uma sala de tv e um escritório no segundo andar e, por fim, o sótão. É claro que eu poderia escolher um dos dois quartos vagos. Mas um deles era o dela. E tem as coisas dela até hoje. E o outro era o meu. O meu refúgio e a minha prisão. O lugar onde me tranquei por meses naquele ano, o pior ano da minha vida.
Minha avó transformou o meu quarto no que ela chama de "zona zen"... Ou seja, um lugar vazio onde ela queima um incenso, ouve música instrumental e faz posições estranhas com nomes de animais em cima de um tapete fino e desconfortável.
Acho a "zona zen" uma das invenções mais chatas da minha avó, porque ela está sempre tentando me arrastar pra lá, mas sou obrigada a agradecer pela existência dela.
É por causa dela que estou de volta a Aroeiras tantos anos depois de ir embora.
A zona zen mudou a minha vida. Ela transformou a tristeza infinita que eu sentia em combustível - gasolina altamente inflamável, energia para uma vingança que eu sempre soube que precisava, mas que eu nunca soube o porquê.
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Por tudo o que você fez | Degustação
RomansaLetícia jurou para si mesma que vingaria a morte da irmã. Anos depois da tragédia, ela está de volta à sua cidade natal com apenas um objetivo: destruir a vida do responsável pela morte de Cecília. Com passos calculados, ela se infiltra na empresa d...