18. Matias

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É ela

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É ela.

A garota da Kraken.

Não preciso de uma segunda olhada para confirmar.

Assim que a vi, todas as sensações voltaram tão rapidamente que tive que me segurar no corrimão da escada.

O fantasma que me assombrou naquela noite está aqui. Ela é de carne e osso, moldados em pernas finas, cabelos negros e os olhos... Os olhos são a pior parte.

Gelados.

Elétricos.

Azuis como o lago de Aroeiras nos dias mais frios.

Preciso me recompor, mas Ruth me seguiu até a minha sala e está repetindo os meus recados com detalhes minuciosos. Por sorte, ela sempre termina da mesma forma:

- ... e vou enviar todos os pormenores para o seu e-mail. Só queria adiantar.

- Obrigado, Ruth.

Eu a dispenso e, assim que ela fecha a porta, me jogo na cadeira, levando as mãos aos joelhos.

Será possível? A secretária gostosa é a mesma garota da Kraken? A mesma que parece ter atravessado um túnel do tempo diretamente do meu passado?

Não.

Não, eu estou imaginando coisas.

Passei tempo demais tentando criar uma imagem da secretária Letícia na minha cabeça e, chegando aqui, não olhei direito. Entrei em pânico quando vi semelhanças, mas não... Não é a mesma pessoa.

Não pode ser.

Me lembro que a garota na Kraken usava uma saia tão pequena que mal poderia ser chamada de saia. Me lembro das suas costas lisas, do jeito como ela jogou o cabelo para o lado. Me lembro da sua língua no canudo, dos olhos brilhando para mim, me transportando para os piores dias da minha vida.

Não pode ser a mesma pessoa.

Estou há dias conversando com Letícia.

Fiz mais de uma ligação de vídeo. Eu vi suas coxas, eu vi seus seios, eu vi os cabelos...

Está certo que não vi seu rosto, que guardei esse mistério para desvendar hoje, mas... Eu teria percebido. Sim, se fosse a mesma garota... Alguma dica, qualquer coisa teria revelado que era ela.

Não é?

Meus cotovelos estão nos meus joelhos. Suor escorre pela minha nuca. Meu pé esquerdo bate no chão continuamente.

Preciso me recompor.

Respiro profundamente, algo que Dafne me ensinou naquele ano terrível.

Não pode ser ela.

Estou projetando, estou me punindo mais uma vez.

Não é a primeira vez que faço isso.

Já vi esse fantasma antes. Ele já apareceu pra mim em boates lotadas, como aconteceu na Kraken. Mas também já foi mais sorrateiro, aparecendo no muro de uma esquina mal iluminada, ou em um restaurante pequeno que, de repente, se tornou claustrofóbico. Já o vi correndo na beira do lago apenas para descobrir que era uma mulher mais alta, mais morena e nem um pouco parecida com o pesadelo do meu passado. O fantasma também já apareceu disfarçado, esperando o momento certo para se revelar num detalhe. Em uma camiseta velha no dia seguinte. Em um rabo de cavalo bagunçado. Em um sorriso torto.

Letícia é isso. Apenas mais uma peça pregada pelo fantasma.

Não é real.

É apenas a minha cabeça me punindo por estar interessado demais na secretária.

Não, Matias, digo pra mim mesmo. Você não precisa estragar isso com as suas paranoias.

Encosto a cabeça na cadeira, respirando novamente, deixando o ar encher meus pulmões lentamente. O couro da cadeira é como uma carícia nas mãos e, nesse momento, me dou conta de que Letícia esteve aqui. Seminua. Na minha cadeira.

Foi aqui que ela apoiou o celular, penso, observando o porta-cartões.

Foi aqui que ela jogou o sutiã, lembro, encarando minha última gaveta.

Abro a gaveta e a bebida, tomo um gole direto do gargalo.

Vou sair e dar uma boa olhada em cada curva de Letícia. E vou chegar à conclusão óbvia: ela não se parece com o fantasma do meu passado. Tudo isso não passa de uma invenção da minha cabeça.

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