Por tudo o que você fez | Degustação

22. Matias

Eu não sabia o que ia fazer até ver Letícia parada em frente ao escritório me esperando. Achei que eu pudesse ir até lá, parar o carro, abrir a porta sutilmente e convidá-la para entrar. A rua estava deserta e a maioria dos funcionários já tinha ido embora. Não seria tão discreto quanto pedir que ela me seguisse até a garagem, mas me daria mais alguns minutos para decidir.

A verdade é que, quando passei na frente da mesa dela, com a mensagem já pronta para que ela me seguisse, não consegui apertar o "enviar".

Precisei de mais uns minutos.

Disse para mim mesmo que eu teria aqueles minutos no carro.

Fiquei com o celular na mão, a mensagem já digitada... Só faltava enviar.

Só isso.

Mas eu não consegui.

Um lado meu queria muito enviar, levá-la para sair, fazer com ela tudo o que eu tinha imaginado, tudo o que eu disse que faria assim que nos encontrássemos.

Não queria que o fantasma ganhasse novamente.

Porém, quando eu a vi parada em frente ao escritório... As roupas eram estranhamente inadequadas para o escritório, ela usava pouca maquiagem e os cabelos negros estavam embaraçados pela brisa. Ela segurava o celular, como se esperasse pela minha mensagem. Acho que não percebeu quando passei bem na frente dela. Não consegui tirar o pé do acelerador.

Agora, estou deitado na minha cama pensando que o serviço da mulher ao meu lado foi um desperdício de dinheiro. Levando para o mundo dos negócios, um péssimo investimento. Não era o que eu queria e não serviu para matar a minha vontade.

Eu já a usei para esse propósito outras vezes. Na maioria das ocasiões, eu só quero esquecer o fantasma. Sempre adiantou, mas, dessa vez, não passou nem perto.

A mulher ao meu lado tem cabelos loiros, lábios grossos e um corpo curvilíneo. É uma aspirante a modelo que também atende como acompanhante. Tudo nela é diferente da minha secretária: os cabelos tem ondas e cachos nas pontas, enquanto Letícia tem fios negros e lisos; os olhos são castanhos e quentes ao contrário das pupilas gélidas de Letícia; o corpo ostenta curvas generosas, ao passo que Letícia é magra e pequena, suas curvas são sutis, delicadas e não saem da minha cabeça.

O dia seguinte vai ser cheio de reuniões e, na próxima semana, não estarei em Aroeiras. Vou passar uma semana em São Paulo, renovando contratos com um importante fornecedor de eletrônicos. Talvez eu possa adiar essa questão com a secretária por algumas semanas. Talvez ter o fantasma tão perto não seja algo ruim...

Todas as outras vezes, eu pude simplesmente virar as costas e impedir que ele me assombrasse, mas as frustrações ainda ficavam comigo.

E se eu fizer diferente dessa vez?

E se eu não der as costas?

E se eu não correr como um covarde?

Nunca houve um fantasma tão real quanto Letícia. E não seria tão fácil me livrar dela.

Talvez essa seja a oportunidade perfeita para encarar o fantasma de frente, me acostumar com a sua semelhança até que se torne banal e seguir a vida.

Vou fazer isso, decido.

Não vou me acovardar.

Ele não vai vencer dessa vez.

Pego o meu celular, mas não consigo pensar em uma desculpa para ter dado um bolo na secretária.

"Você se parece com alguém do meu passado" não é algo que eu esteja pronto para admitir.

Por isso, quando chego ao escritório na manhã seguinte, sei que estou em dívida com ela. Não dei qualquer desculpa e agora serei obrigado a me justificar.

Assim que a vejo, encarando com uma expressão confusa a agenda de Ruth, a solução óbvia se coloca à minha frente: ela é uma péssima secretária.

Passo por ela e repito a piscadela do dia anterior. Ela abre um sorrisinho, mas seus olhos ainda são frios.

Assim que entro na minha sala, digito a mensagem e envio.

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