Tédio. Sentimento descrito por muitos como frustação, aborrecimento sem causas aparentes, desgosto. A última definição normalmente dirigida diretamente para mim, mas neste momento eu estava sentindo-a por outro ser. Era como ter meu lugar sendo ocupado.
Justo quando as coisas estavam começando a ficarem animadas, as cartas, as ameaças, os assassinatos. Um conjunto perfeito para minha diversão na escola. Victor resolve acabar com tudo pegando não somente mãozinha, mas Enid junto. Tedioso.
Uma parte de mim odiava admitir que talvez tenha gostado de sua iniciativa. Quem diria? Arriscar a própria vida para sequestrar uma loba durante a lua cheia era, talvez, um pouco admirável. Agora Mãozinha? Não duvido que para conseguir tal feito ele tenha agido por trás. Completamente covarde.
Sua tática para me fazer entrar em seu jogo era interessante, principalmente a parte do xadrez, eu odiava perder. Agora, o que eu gostaria de saber, era se ele realmente achava que eu cogitava a hipótese de entrar no seu jogo.
Algo que ele não deveria saber. Addams não participam de jogos, eles os criam.
-Então, Wednesday. Você está tão calada, deve estar pensando quem vale mais a pena ser salvo. Correto? -Ele pergunta. Um leve sorriso de lado pairando em seus lábios.
-Devo dizer que por alguns segundos, cheguei a ficar impressionada. -Seu sorriso se alargou. -Apenas na primeira morte e carta. -Seu sorriso morreu.
-Pare de se achar melhor que todos, Addams. Admita que está impressionada com o jogo que eu criei, melhor ainda, usando as duas melhores peças para sua escolha.
-Eu não me acho melhor que ninguém. Apenas melhor que a Bianca. -Respondi. -Seu jogo está tão bem feito que apenas só de observa-lo eu já sei a resposta para tudo.
-Já que sabe a resposta porque não termina logo com isso? -Falou indicando um alicate em um pequeno banco ao meu lado.
Simplesmente peguei o alicate e olhei os fios no chão. Se eu cortasse o errado eles seriam eletrocutados, eu sabia perfeitamente que mãozinha aguentaria um pequeno choque, mas não queria que nem ele ou Enid o sentisse.
Três fios; branco, cinza e preto. Não precisei pensar muito, logo cortei o preto. Em seguida ouvi o som o gerador que os conectava sendo desligado. Larguei o alicate, menos uma fase.
-Como sabia?
-Cinza, muito comum para ser conectado a uma alta voltagem. Branco, não é o tipo de fio que se usa para eletrocutar alguém. Restando apenas o preto, a cor obviamente me atraiu, mas você deveria saber que eu pensaria nele em primeiro lugar e que talvez eu julgaria que ele não seria a escolha já que seria tão obvia assim. Mas o que você não pensou é que, o fio preto normalmente é mais capaz de uma carga de choque maior, e também o mais obvio as vezes é o certo.
O sorriso em seu rosto sumiu, mas logo retornou. -Pois bem, meus parabéns. Vamos ver se você é tão boa assim. Segunda fase.
Segunda fase, eu diria que deveria ser a primeira. As linhas entrelaçadas faziam um perfeito embaralhado pelo chão, realmente uma pequena confusão se daria na cabeça de qualquer um que pensasse com pressão. A questão era: desmembrar algo ou alguém era comum entre Feioso e eu.
O que a grande maioria das pessoas não sabem, ou imaginam, é que quando se ha várias linhas entrelaçadas sendo apenas uma a correta o mais sensato e esperto a se fazer não é procurar entre elas a correta, mas sim observar a fonte de onde elas vêm. Apenas precisei olhar para onde estava a armadilha, uma única linha conectada tanto para Enid quanto para Mãozinha. No começo separada, mas logo se juntava a todas as outras.
Concentração foi tudo que precisei para seguir o caminho que ela fazia até mim. Um simples corte e todas as armadilhas despencaram no chão.
Foi apenas tempo de tudo estar desarmado que Mãozinha já estava se locomovendo novamente, assim como Enid estava começando a acordar.
Victor já não mantinha o sorriso no rosto. Agora o maxilar trincado e um olhar de ódio eram direcionados a mim, isso que eu queria.
-Ainda não acabou. -Falou entre dentes. -Temos o jogo de xadrez.
-Admito que achei admirável a ideia do jogo e que talvez eu tenha ficado animada para joga-lo, ainda mais envolvendo mortes. Mas infelizmente não teríamos tempo e nem motivo para joga-lo. -Falei lhe dando as costas e indo para a porta novamente.
-Porque diz isso? -Percebi a confusão em sua voz.
Me virei e um discreto sorriso sarcástico lhe direcionei. -Três motivos: primeiro, um jogo que caso eu ganhe Enid vive, eu perca Mãozinha ficara viva me pareceu muito divertido. Que nem uma faca de duas pontas, capaz de ferir facilmente se não souber manuseá-la. Segundo, esse jogo já teria um resultado caso eu jogasse.
-Que seria?
-Um empate. Todas peças fora do jogo, rei contra rei. Jogadas as quais eu já sei perfeitamente como deixa-lo assim. Nem morte e nem vida.
-E o terceiro? -Perguntou assim que peguei a maçaneta.
-O tempo que você perdeu concentrado em minhas palavras foram o suficiente para Enid acordar, Mãozinha se soltar e solta-la junto. Agora me responda você, Victor. Já conseguiu imaginar um jogo que você consiga escapar do lobo mal?
Seu olhar assustado foi a ultima coisa que vi assim que olhou na direção que Enid vinha caminhando até ele. Rosnando e com as garras prontas para terminar o jogo.
₢
Luz e sombras dançam juntas na vida, assim como a lua cheia junto as estrelas. A lua brilhava em seu ponto mais alto da noite, as nuvens que antes cobriam o céu já não estavam mais presentes, mas a imagem da floresta completamente escura junto aos uivos dos lobos correndo livres deixando a paisagem horripilante para quem olhasse de onde eu estava. Uma visão maravilhosa.
Os gritos de Victor assim que o deixei a sós com Enid foi uma sintonia maravilhosa para meus ouvidos. Já havia se passado alguns minutos que eu os havia deixado, eu já me encontrava em nosso quarto na varanda aguardando o dia terminar para que Enid voltasse. Possivelmente ela estava junto aos outros lobos depois de ter se resolvido com Victor.
Bom, era o que eu pensava.
Minha atenção foi voltada para a porta assim que a escutei se abrir. Enid entrava por ela, porém já havia voltado a forma humana. Não precisávamos de palavras, assim que me viu ela veio correndo ao meu encontro. Seu cheiro doce foi a primeira coisa que senti assim que ela me abraçou, automaticamente meus braços rodearam seu pescoço.
Eu não me importava mais com a sensação desgostosa que era alguém me tocando, desde que esse alguém fosse ela. O calor do seu corpo, a firmeza que seus braços me apertavam, o respirar fundo de sua respiração em meu pescoço foram o suficiente para eu perceber que os sentimentos de nós duas eram mutuo.
Nos afastamos, seu olhar me hipnotizando como sempre. O único tom de azul que um dia eu sequer imaginei gostar me encaravam. Tantos sentimentos misturados, tantas palavras a serem ditas, mas não houve tempo para isso.
Sua mão caminha por meu pescoço, se engrenhando nos fios soltos de minha trança. Não hesitei. Envolvi-a com meus braços e logo seus lábios tomaram os meus em um beijo que a tempos estávamos desejando.
FIM
Mentira, logo tem mais.