Narração Valquíria:
Como falar para alguém sobre um segredo sem mencionar que sabe sobre tal segredo?
Eu não estava me contendo com a informação de que Clarice estava de fato planejando um noivado para nós. Ela disse muitas vezes que queria se casar comigo, mas dizer algo e de fato fazer são coisas totalmente diferentes.
– Bonjour, papa – sim, eu liguei para o meu pai. Ele era meu confidente e conselheiro e diferente do Bruno, não era fofoqueiro. - Ça va ?
– Bonjour, ma chérie! Está me ligando fora do horário habitual. Devo me preocupar? - Ele comentou em seu típico tom jocoso.
– Não, ao menos eu acho que não. Não aconteceu nada de ruim, é algo bom.
– Você e a Clarice estão vindo para França?
Fiz uma careta com a sugestão. - Que?! Não. Eu já disse que não iremos a França no meio do inverno. Clarice tem asma e desde que teve COVID não é a mesma em relação a isso. Sem contar que ela é bastante friorenta, não vou a levar aí para sofrer.
– Nós temos aquecedores e podemos comprar boas roupas de frio.
– Eu vou levar a Clara aí, não agora. Por favor, não insista.
Papai bufou tal qual uma criança quando tem algo negado ou tal qual Clarice quando não consegue o que quer. E isso me fez rir de leve.
– Enfim, eu te liguei porque não sei o que fazer com a informação que descobri e não deveria ter descoberto.
– E que informação seria essa?
– Clarice quer de fato me pedir em casamento e quando digo de fato é porquê a ouvi comentar com o amigo sobre a aliança de noivado e sobre estar ansiosa a ponto de querer pedir ainda esse ano.
Papai fez sua típica careta de surpresa e balançou as mãos ao lado do rosto empolgado.
– Vocês já sabem onde vão casar? Nós podemos fazer aqui na fazenda, vai ser tão lindo. Ou podemos fazer na fazenda aí em São Paulo. Ou por que não os dois?! Vocês duas vão usar vestidos? Sua mãe precisa saber disso... Margot?! Margot!
– Pai! Não! Pai, é um segredo! Pai...
Eu desisti de pedir para se calar quando ouvi ele gritar no fundo "Clarice e a Kyrie vão se casar" e minha mãe reagir surpresa e vir para perto para participar da chamada.
– Você não ouse casar sem antes trazer a Clarinha para nós conhecermos! - Minha mãe disse séria. - Meu Deus, Fernando. Eu preciso de um vestido novo! E você de um terno que combine com ele!
E pronto. Lá estavam os dois discutindo sobre um casamento que sequer existe... ainda.
– Isso era para ser um segredo... Clarice ainda não me pediu em casamento. Eu acabei ouvindo sem querer ela discutir sobre o anel de noivado.
Minha mãe fez outra careta surpresa levemente decepcionada por não ser oficial ainda. - Isso significa que ainda temos que esperar oficializar o noivado? E quando será isso? Quanto tempo mais terei que esperar para te ver casando, minha filha?
Ouvir minha mãe falar isso me fez sentir dez anos mais velha...
Tudo bem que toda a minha geração da família já casou, divorciou, casou de novo ou está vivendo o mesmo casamento. Eu sou a única que ainda não casou e óbvio que eles atribuem isso ao fato de ser autista, principalmente depois do fiasco da primeira tentativa. Quanto aos mais novos terem casado rápido demais, aí também não é minha culpa.