Não era o vento

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19

Estava frio, sentia meus ossos doerem enquanto as roupas encharcadas me puxavam cada vez mais para baixo.

Nade, nade, apenas nade...

Impulsionei meu corpo em direção à superfície lutando contra a vontade de respirar.

Só mais um pouco...

Sentia meus pulmões arderem quando algo rodeou minha cintura puxando meu corpo para cima até a pressão da água sumir. Tossindo, me arrastei pela margem alcançando o chão seco, quando tive certeza de estar o mais longe possível da água olhei ao redor procurando por Eylef pouco antes de uma máscara branca surgir do meu lado.

—Eylef!

Vi o manto vermelho completamente ensopado se arrastando pela margem. No céu a lua brilhava forte refletindo o grande rio que se estendia à nossa frente. Não termos morrido ali havia sido um milagre.

—Eylef você...

No entanto, antes que eu pudesse terminar fui surpreendida por duas mãos que se estenderam até o meu rosto, quase ao ponto de tocá-lo, porém, antes que eu sentisse a textura fria das longas faixas agora sujas Eylef parou, os olhos brilhantes me observando enquanto recuava para a sombra das árvores.

—Tem sangue no seu rosto.

Levei a mão até a testa vendo a mancha escura nos meus dedos.

—Deve ter sido da queda...

—Você está bem?

Eu não sabia o que responder, os acontecimentos passavam como raios na minha memória.

—Sim...acho que sim, e você?

—Estou bem.

Ficamos um tempo em silêncio, como de costume não demorou muito para que Eylef se virasse sumindo na floresta. Aquela altura eu estava cansada e horrorizada com tudo o que aconteceu, então não fiz questão de segui-lo, simplesmente me sentei, dobrei os joelhos sobre o peito e afundei o rosto no manto molhado. A cena de corpos mutilados assombrava minha mente na mesma medida em que o alívio por Alie e seus filhos estarem vivos invadia meu peito. Pensar em Minir ou Dimir presos nos dentes daqueles cães me atormentava, tanto que foquei a atenção no longo rio a frente procurando pensar em outra coisa, mas o massacre no festival continuava lá, os gritos ecoando em algum lugar enquanto o chão se tingia de vermelho.

—Pegue.

Levei um susto quando uma folha apareceu na frente do meu rosto.

—O que é isso?

—Apenas limpe o sangue, o cheiro pode atrair algum animal.

Sem contestar peguei a folha das suas mãos, a textura macia acariciava minha pele enquanto eu lutava para não me prender às memórias recentes. Assim que me convenci de ter limpado o sangue deixei a folha de lado me concentrando no céu escuro. Ao longe, algumas estrelas brilhavam abrindo lentamente espaço para o alvorecer.

O que foi aquilo? — sussurrei, o medo ainda correndo pelas veias.

—Uma noite ruim.

Encarei Eylef indignada.

—Ruim?!Aquilo foi um pesadelo!Um...um...

Parei assim que vi o brilho dos seus olhos me encarando junto dos contornos da máscara branca.

—Você não faz ideia do que é um verdadeiro pesadelo.

Senti meu corpo estremecer, não conseguia imaginar algo pior do que a cena do festival.

Corpo e alma, a pior das maldições (Projeto em fase de criação)Onde histórias criam vida. Descubra agora