Distração

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  As inúmeras perguntas que se formavam na minha língua coçava para sair, mas ainda sim continuei em silêncio, pelo menos até alguém bater na porta e uma moça de cabelos escuros e olhos castanhos aparecer carregando algumas roupas e um balde.

—Ur me disse para entregar isso.

Ela estendeu as coisas na minha direção.

—Se precisarem de algo é só chamar.

Havia duas mudas de roupa simples, duas capas na cor palha e dois pares de calçados de couro. Fiquei me perguntando se iriam servir pouco antes de erguer o novo vestido encarando a raposa branca.

—O quê foi?

Revirei os olhos e por sorte não demorou muito para ele entender o que eu queria.

—Não enrole.

Foi a única coisa que ouvi antes de Eylef sair.

Não enrole...

Repeti suas palavras pegando algumas das flanelas limpas mergulhando-as no balde.

—Como se fosse fácil tomar banho assim.

Levei um bom tempo para me limpar, a sujeira parecia ter impregnado na pele, mas consegui tirar o sangue grudado ao redor do ombro ferido. A aparência estava bem melhor do que antes, o que era um ótimo sinal.

Sem pressa, amarrei as tiras de couro atrás do vestido até a roupa ficar ajustada no corpo. Quando terminei de pentear o cabelo abri a porta dando de cara com Eylef.

—Ficou bom?

Seus olhos me analisavam de cima a baixo.

—Podia ter demorado menos.

Abri espaço para que ele pudesse entrar.

—Não é fácil limpar o corpo com panos molhados! — bradei em direção a porta já fechada — E vê se não demora também!

Me sentei no chão do corredor, não queria dar nenhum passo em direção as outras portas, muito menos voltar lá para cima com todos aqueles homens bêbados. Então esperei, esperei e esperei, quase ao ponto de criar teias de aranha quando a porta finalmente abriu.

—E depois eu é que demoro!

Empurrei o ferrolho com força sentindo minhas pernas formigando. Estava prestes a iniciar uma discussão acalorada comparando sua demora com a minha quando as palavras sumiram.

Eylef estava sentado na cama usando as roupas novas. Sobre as flanelas usadas estavam o manto vermelho e as tiras que cobriam seu corpo, ou boa parte delas, já que suas mãos, antebraços e pescoço continuavam com as faixas brancas. Em meio aos tons claros da roupa, a rosa vermelha na máscara chamava ainda mais atenção, assim como o brilho prateado dos seus olhos em meio a luz laranja da bola flutuante.

—O que foi?

Sem saber ao certo o que dizer, apontei para o alto da sua cabeça deixando as palavras fluírem.

—Seu cabelo ainda é um ninho...

Eylef parecia incrédulo com o que ouviu, e confesso que minha reação não foi diferente.

Tanta coisa para falar...

Contendo minha vontade de esconder o rosto continuei encarando a fenda brilhante dos olhos da raposa. Agora que as palavras simplesmente saíram eu precisava sustentá-las.

—Não combina com sua nova aparência.

—E?

—E, se me lembro bem, ouvi aquele homem falando de tratar de negócios, nesse caso a aparência é importante, como alguém pode te levar a sério assim?

Corpo e alma, a pior das maldições (Projeto em fase de criação)Onde histórias criam vida. Descubra agora