Love Never Dies

Capítulo 03 - Madness is a gift. Madness is freedom.

Devonshire - Sudoeste da Inglaterra, 1797

A família Cabello Estrabao havia muito que se estabelecera em Devonshire. Tinham por propriedade o Chalé Bourbon, cujos domínios não passam de um jardim que se estendia alguns metros à frente e terminava em um pequeno portão que rangia todas as vezes que era aberto. O Chalé Bourbon, apesar de pequeno, era confortável e a localização era boa. Situava-se em um lugar ameno e fértil, onde haviam muitas árvores e pastagens que se estendiam além do horizonte. Colinas altas o cercavam e por menor que fosse a propriedade, a vasta extensão dos campos ao redor de todos os lados da casa, dava a impressão de à eles pertencer.

-Temos sorte Mrs. Cabello. - Ponderou Mr. Cabello, puxando mais um trago do cachimbo enquanto encarava a vastidão de verde à sua frente.

A Mrs. Cabello ouviu, mas não entendeu. Aquele velho cachimbo dificultava o entendimento de seu marido sempre que se dava por falar. Não entendendo, manteve-se calada e concentrada no serviço de pendurar os lençóis de extrema brancura, nas velhas cordas esticadas ao lado de fora do jardim.

- Que disseste, meu caro? - A Mrs. Cabello perguntou, carregando a bacia de roupas que apoiava em sua própria cintura.

- Disse que temos sorte.

- Estás de novo a ter pensamentos vagos, meu amado? - Mrs. Cabello perguntou rindo-se no tom da fala, mas não na boca.

Encostou-se no parapeito da varanda de madeira, pondo-se de frente ao Mr. Cabello.

- Quando é que, por ventura, não os tenho, minha cara?

- Por que disseste que temos sorte?

- Porque temos tudo, ainda que não tenhamos nada, de fato. - respondeu Mr. Cabello, encarando o horizonte verde à sua frente.

A esposa acompanhou o olhar do marido e deu-se conta do que seu senhor estava a falar.

- Pois com este pensamento vago hei de concordar.

Mr. Cabello não respondeu. Não era homem de muita fala. Gostava mais de ouvir. Seu pai lhe ensinara que o sábio é o que pouco usa a boca, mas muito usa os ouvidos. Às vezes Mr. Cabello levava tal ponderação deveras ao pé da letra e ficava dias sem falar. Não era homem carrancudo, tampouco mal humorado. Sorria mais do que ouvia, até. Mas de fato, se havia algo que se podia dizer do senhor do Chalé Bourbon, era que pouco falava. Algumas pessoas na paróquia de Devonshire sequer haviam escutado a voz do homem.

- Já ouviste dizer que o Chateau Barossa foi, finalmente alugado? - Mrs. Cabello perguntou, mesmo sabendo que o marido não tinha tal conhecimento. - Dizem que uma bela dama vinda da cidade o terá por morada. Dizem até que já está na cidade. E além do mais, é solteira. - Mrs. Cabello falava mais para si própria. Sabia que o marido pouco se importava com tais acontecimentos. - Não sei por que vir da cidade para cá. Algo há! - Ponderou. - Mas nunca saberemos.

- Tenho cá minhas dúvidas quanto a nunca sabermos. Se te é por curiosidade, não dou um mês até que saibas tudo quanto desejas da tal dama que vem da cidade. - Mr. Cabello assinalou, olhando a fumaça que saía de seu cachimbo, puxando novamente um trago.

Mrs. Cabello ignorou o comentário.

- Deveríamos ir fazer as honras. Tu sabes, meu caro, ir ao Chateau em uma visita cortês, afinal, em toda a vizinhança, o lugar mais próximo do Chateau Barossa é nosso chalé.

- Tem mesmo isto a ver com cortesia ou estás querendo arrumar casamento ao teu filho, Mrs. Cabello? - Mr. Cabello perguntou sem humor. Concentrava-se demais no cachimbo.

Mrs. Cabello pousou a mão no peito e teatrou indignação.

- Meu caro, tem isto somente a ver com cortesia. Não posso negar, todavia, que agrada-me a ideia de ter uma jovem em nossa vizinhança. Nosso filho precisa de uma esposa, isto não é segredo. Já passa da hora de nos dar netos. E ainda há Camila, que tão sozinha anda por aí. Ela não gosta das garotas das redondezas, sabe-se lá por que. Precisa de uma amiga. Pode ser que a dama da cidade nos seja por exceção. Nunca se sabe. Talvez a dama tenha um irmão. Camila precisa casar.