Capítulo 10

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Acordo já me sentindo muito ansioso, por nenhuma razão – ou quem sabe por tantas que nem conseguiria mais listar. Saio da cama o mais silencioso possível, porque Theo ainda dormia e provavelmente ainda era muito cedo.

Desço as escadas para pegar água e encontro minha mãe na sala.

-- Bom dia, filho. – ela diz sorrindo enquanto procura algo em sua bolsa.

-- Bom dia.

-- Tô indo no mercado aqui da rua, comprar leite e pão pro café. Quer ir comigo?

Talvez sair de casa e pegar ar fresco ajudaria? Faço que sim com a cabeça e vou pegar meu casaco. O mercado era no fim da rua, então nem tinha muito o que caminhar, mas minha mãe consegue dar um jeito de contar, no mínimo, 3 histórias até chegar lá. Não que eu tenha conseguido prestar muita atenção, porque mais rápido que minha mãe fofocando só minha cabeça jorrando mil pensamentos por minuto.

-- Não acha? – ela termina de falar algo.

-- Claro. – digo e talvez deveria ter mais certeza sobre o que havia concordado.

Ao entrarmos noto que havia gente demais para só 7 da manhã.

-- Eu pego o leite e você os pães, ok?

-- Ok.

Às vezes era assim mesmo. Do nada sentia a raiva crescer em mim. Aliás, a psicóloga que eu costumava ir sempre dizia que não existe esse "do nada" e, na verdade, era só a forma que meu corpo tinha de extravasar todos os sentimentos que reprimia. Ela provavelmente estava certa. Por mais que eu não admita, acabo guardando sempre muita coisa para mim. Eu só nunca me dei bem com palavras mesmo. Já me peguei pensando algumas vezes que se eu fosse mais como Mase, minha vida seria provavelmente mais fácil. Ok, que ele falava até demais, mas ainda assim é meu melhor amigo.

Minhas mãos começaram a tremer, então as enfio nos bolsos da calça de moletom. Estou indo para a parte de padaria do mercado, quando um cara todo tatuado passa tão apressado por mim que me empurra para trás. Olho para ele, que já estava mais a frente, e respiro fundo. Ou, pelo menos, tento. Meu coração não desacelerou uma única vez desde que levantei da cama - algo que inclusive me arrependo de ter feito.

Continuo indo na direção da padaria e entro numa puta fila enorme para pegar pão. Por que tem tanta gente acordada em um domingo de manhã? A mulher da minha frente falava sem parar, com sua voz esganiçada, e quase gritando ao telefone, sobre como a nova namorada de seu marido era uma vadia-gorda-aproveitadora – algo que, com certeza, é de grande interesse público.

Depois de uma eternidade, só haviam 3 pessoas na minha frente, além da chata do telefone. Olho para os lados procurando minha mãe e é óbvio que ela não tinha vindo só comprar duas coisas. Vejo também dois garotos, talvez 1 ano mais novos que eu, conversando na entrada, e infelizmente – por conta da super audição – também consigo ouvir o que falavam. "Pois é, irmão. Também acho essa coisa de parada gay um pouco demais. Tipo cada um com suas coisas, claro. Mas ninguém é obrigado a ficar vendo tanta aberração junta de uma vez, né?"

Aberração. De novo essa palavra usada em contextos absurdamente errados. Queria ir lá nele mostrar que aberração é a sua própria existência. Eu era o próximo da fila. Errei em pensar que sairia logo dali, porque descubro que a mulher não falava muito só no telefone e encontra formas de fazer com que pegar um saco de pães seja algo demorado. Sou obrigado a ouvir outro trecho da conversa deles: "É hoje que eu pego a Haley" e "Fica frio, que com aquele pozinho mágico não tem erro". Eles riem.

Do Outro Lado da Porta de Uma Camionete EnferrujadaOnde histórias criam vida. Descubra agora