Capitulo 20

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                                  Seis anos

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Seis anos




O doutor estava certo quando disse que os dias iam melhorar se eu tivesse um amigo.

Eles melhoraram, mas Saint ainda não fala comigo.

Em compensação nós brincamos muito, ainda mais agora com os novos brinquedos que ganhamos no Natal e no Ano Novo. E agora que estou de férias da escola em casa, tenho muito mais tempo para brincar.

Ainda tem muita neve por aqui. Eu não gosto tanto, mas Saint se recusa a ficar dentro de casa, especialmente quando está nevando. Acho que ele deve gostar muito desse tempo, pois sempre que eu vejo ele está do lado de fora. Então se ele gosta eu também gosto.

Estávamos no jardim brincamos com as nossas arminhas nerf que implorei para minha mãe me comprar, mesmo que ela achasse que fosse perigoso, depois de uma carinha triste ela concordou. Acho que ela também se sentiu culpada por não poder passar tanto tempo comigo dessa vez quanto na última.

Saint pareceu gostar também e seus olhos até brilharam quando viu o brinquedo em minhas mãos, o oferecendo um.

Pedi para Camile colocar algumas garrafas vazias da lixeira em cima das madeiras cortadas que usamos para a lareira para eu e Saint brincarmos de tiro ao alvo, e eu não podia estar mais chateado por ele estar ganhando de mim.

Ele acertou outra garrafa ao longe fazendo ela cair no chão.

Gargalhei, mas logo parei pois meu lábio estava doendo mais do que o de costume nos últimos dias, o tempo frio ressecava a minha fenda.

— V-Você é bom – o elogiei, vendo-o se preparar para dar mais um tiro.

Era a última garrafa, depois dessa não tínhamos mais alvos e teríamos que brincar de outra coisa, de preferência dentro de casa porque aqui ficava ainda mais frio a cada hora.

Me posicionei igual Saint para acertar a garrafa, esperando acertar dessa vez e não errar igual as outras.

Um zumbido em meu ouvido me chamou atenção, e quando olhei para cima entendi o que era. Um pardal. Eles vinham muito para cá, especialmente no inverno, Camille até já tinha me mostrado um ninho ou dois entre as árvores.

Ele voou com graça piando até parar em cima da garrafa de vidro.

— Um pardal – sussurrei para Saint que encara o pássaro com um olhar concentrado. – V-Você gosta de pardais?

Saint apertou a arminha em seu braço e se posicionou para mirar.

— S-Saint, c-cuidado...

Era tarde demais.

Em vez de a garrafa se quebrar em pedaços, foi o pardal que caiu. Dei um grito ao ver o seu corpo jogado na neve esganiçado e piando de dor. Não pensei duas vezes antes de correr até ele e me ajoelhar ao seu lado. Bala de borracha tinha pegado em seu peito, e nas minhas aulas de biologia do Sr. Kurt dizia que era onde ficava o pulmão, que eu precisava pra respirar.

Tento pegar o passarinho na minha mão, mas ele continua se contorcendo e piando.

— D-Desculpa a-amiguinho, não foi... Não foi por querer – lágrimas já cobriam meu olhos, mamãe sempre dizia que eu era um menino chorão. – Eu vou te ajudar, tá? S-Só espera...

Uma pedra caiu em cima dele.

Uma pedra grande e pesada que fez sangue espirrar por todos os lados, até senti algo quente em meu rosto.

Fiquei paralisado por alguns segundos, vendo apenas a patinha dele para fora. A música de canto de dor tinha parado.

Demorei um pouco para olhar para cima, e quando fiz me deparei com Saint.

Com os braços estendidos.

Com um sorriso no rosto.

Ele matou o passarinho.

Uma lembrança invadiu a minha mente, o que não é comum já que eu tenho tendência a esquecer as coisas, mas não dessa.

A vez em que eu bati minha cabeça. Que eu caí e fiquei inconsciente por alguns segundos.

Saint estava com uma pedra em cima da minha cabeça.

Ele ia fazer comigo o que fez com o passarinho.

Minhas pernas ficaram bambas e eu caí para trás, de bunda na neve. Encarava o Saint como se ele fosse um monstro. Porque ele é um. Ele matou o pardal e agora sorri como se tivesse gostado disso.

Tentei gritar o nome de Camille, mas foi em vão. Nada saia da minha garganta, estava petrificado com medo. Porém quando ele finalmente me olhou, deixando o sangue na neve para trás, eu sabia que seria o próximo e minhas pernas logo começaram a funcionar.

Levantei bem rápido e corri com as minhas pernas curtas para dentro. O meu peito doía pelo o esforço e as lágrimas borravam a minha visão, mas nada me parou de ir rapidamente até a cozinha, onde eu sabia que Camille estaria.

Lá estava ela. De avental mexendo em alguma coisa na panela.

— C-Cami...

Seu nome não saia completo de minha boca, porém foi o suficiente para ter a atenção dela. Seus olhos se arregalaram a ver minha situação. As calças molhadas, as lágrimas e os respingos de sangue no rosto.

— Que s'est-il passé, bleu? – pulei em seus braços abertos quando ela se agachou para me envolver.

— Q-Quero que ele vá embora! – chorei em seu peito. – E-Eu não quero mais ter um amigo!

E assim foi feito.

Dois dias depois Saint foi embora, escoltada por sua mãe que parecia estar triste por estar voltando com ele.

Ele não olhou para trás enquanto ia embora. Não falou comigo. Nem com ninguém.

Mas um pouco antes de entrar no carro, enquanto sua mãe estava atrás dele e eu observava tudo do quarto onde me mantive trancado nos últimos dias, eu vi aquilo em seu rosto.

O mesmo sorriso que ele deu para o pássaro morto ele estava dando para mim agora.

Eu não consegui dormir por semanas por causa disso.

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