Antes...
Do lado de fora da sua cela, 249 ouvia gritos e sons que não conhecia. Olhou pelo visor da porta e viu os guardas que estavam do lado de fora correndo apressados pelo corredor. Ficou ali um longo tempo, estampidos altos ressoando pelo espaço. Sentiu medo. Ficou se perguntando se seria mais uma experiência aterrorizante de Mercille e seus companheiros estavam lutando contra serem levados.
249 não entendia o que aqueles técnicos faziam com eles. Davam-lhes medicamentos e muitos jogos e testes para fazer. Crescera com várias pessoas lhe ensinando conteúdos que não sabia para que serviam, forçando-o a aprender uma quantidade enorme de conhecimento até seus olhos lacrimejarem e sua cabeça doer. Vez ou outra faziam exames em máquinas estranhas e alguns eram bastante dolorosos. Diziam que era para descobrirem o quanto ele aprendia.
Entretanto, seu sofrimento não era o pior. Ele ouvia os gritos dos companheiros e nas raras vezes que convivera com algum deles escutava histórias de experiências cruéis com feridas e ossos quebrados.
249 constantemente passava fome, sede, frio e calor extremos e em seguida era levado para os exames e testes. Muitas vezes se enfurecera com os guardas e técnicos e sempre os atacava. Eles o chamavam de gênio selvagem ( wild). Ele estava cansado de viver.
Um dia o colocaram para dormir e acordara numa floresta com outros homens. Fora a primeira vez que vira tantos como ele juntos. Os guardas disseram apenas que era um teste e eles tinham que sobreviver. Ele e os outros descobriram que sobreviver significava resistir ao frio, à fome e aos animais selvagens.
Um dos homens, um macho com olhos de gato como os seus e que nunca vira antes, recebera a liderança, o que se provara necessário, pois depois de um tempo foram cercados por homens armados. O líder, 142, os guiou numa batalha que se mostrara uma carnificina. Ele dissera aos homens que usassem os seus instintos para desarmar os guardas.
249 vira diversos companheiros tombarem ao serem atingidos por tiros, mas outros continuavam a lutar mesmo feridos. Ao final da noite havia vários companheiros mortos, porém nenhum dos homens armados sobrevivera.
Ficaram mais algum tempo na floresta e depois mais homens armados surgiram, contudo disseram que não iriam atacar. Foram todos levados de volta para suas celas e 249 nunca mais vira 142.
Pensava nele naquele instante, porque se tivesse que passar outra vez por uma experiência como aquela, gostaria de ter alguém para liderá-lo.
A cacofonia prosseguiu até que o silêncio se estabeleceu. 249 ouviu sons de passos vindo na direção da sua cela e se preparou para atacar os guardas ou técnicos.
Homens vestidos de preto e com capacetes entraram no corredor. Ele recuou na cela, colocando-se em posição de luta, porém um homem muito alto se aproximou dele.
- 249?
Ele agachou-se para saltar sobre o homem; ele não estava armado.
O homem tirou o capacete e 249 arfou, muito surpreso. Era 142!
- Fique tranquilo. Nós viemos te resgatar.
E, então, 249 ouviu 142 explicar que, como ele, outros foram libertados de Mercille.
- São muitos como na floresta?
- São centenas.
Ele piscou fortemente para afastar as lágrimas. Ele sairia dali? Poderia conhecer lugares como a floresta?
- Nós temos uma casa, Homeland, onde vivemos como queremos. Nunca mais seremos cobaias de Mercille, somos livres.
249 viu outros homens entrarem na cela e tirarem os capacetes. Tinham rostos marcados como os dele, olhos felinos ou redondos, presas pontiagudas e traziam no olhar algo que ele jamais vira antes. Era a certeza da liberdade.
Confiou neles e os seguiu. Subiram por elevadores e chegaram até um grande salão aberto. 249 viu que além das portas de vidro havia um céu muito azul e um sol radiante. Muitos companheiros estavam do lado de fora, correndo de um lado para o outro, esfuziantes.
Passou pelas portas e sentiu os raios do sol. Olhou ao redor. Os muros eram imensos e havia um silêncio agourento. Guardas, técnicos e médicos estavam agrupados sentados no chão, as mãos algemadas nas costas e muitos estavam feridos. 249 sentiu um ódio selvagem tomá-lo e caminhou apressadamente na direção deles.
- Pare aí, macho! - um homem avisou. Viu que era um como ele.
- Eu os quero!
- Não pode tê-los. Recue.
- Eles me aprisionaram!
- Sabemos disso.
- Precisam pagar!
- Eles pagarão, mas não será com sangue.
- Não é justo.
- Não é, amigo. Mas vivemos assim agora.
249 sentiu uma mão em seu ombro; 142 o olhava com compaixão.
- Os humanos esperam que sejamos selvagens, mas nós precisamos provar que podemos viver em paz com eles.
- Há humanos em Homeland, 142?
- Meu nome é Justice agora. E, sim, há humanos.
- Justice?
- É o que eu desejo para o nosso povo.
- Os humanos te deram esse nome?
- Não, eu o escolhi. Todo Nova Espécie pode escolher seu próprio nome.
- Que nova espécie ?
- É como nos chamamos: Novas Espécies.
- E os humanos controlam vocês?
Justice riu.
- Já tentaram, mas estamos cada vez mais independentes.
- E é nessa Pátria que vivem com humanos?
- Sim, e estamos procurando outro lugar. Há muitos de nós.
249 prestou muita atenção a tudo que Justice dizia. Um novo mundo se abria para ele. O macho o levou até alguns homens vestidos de branco. De primeiro, 249 teve receio ao perceber que eram médicos, mas percebeu que aqueles médicos estavam cuidando dos seus companheiros.
Olhou para o céu e viu que o dia chegava ao fim. A única vez que presenciara um pôr do sol fora quando os jogaram na floresta e não houvera tempo para apreciar a beleza do momento. Sentou-se no chão, perto dos médicos, sentindo-se completamente exausto. Sua existência fora de testes sobre testes, exames dolorosos e a ignorância porque precisava aprender tanto.
Uma mulher vestida de branco se aproximou dele.
- Olá. Pode falar comigo?
Ele assentiu com a cabeça.
- Sou a doutora Merck. Estou colaborando com as Novas Espécies. Você me entende?
Ele balançou novamente a cabeça.
- Você sente alguma dor? Está ferido?
- Eu me sinto...
-Sim?
- Exausto.
- Sente dor?
- Não. Apenas cansaço de viver.
Ele a encarou, seu olhar era compassivo, mas ele percebeu que havia medo nela. Ela começou a verificar sua pressão arterial e ele ficou muito quieto.
O sol desceu pelo céu, que se coloria de tons de laranja e rosa. 249 inspirou fundo a pedido da mulher e ela ascultou seu peito. O toque dela era tão gentil que ele fechou os olhos.
- Qual é o seu nome?
- Me chamam de 249.
Ela o olhou com pena.
- Tenho certeza que logo terá um belo nome.
249 a encarou novamente. Se ela soubesse como se sentia...
- Você pode me chamar de Exausto.
A médica deu um sorrisinho.
- Exausto?
- É como me sinto.
Ela pegou os instrumentos e se levantou.
- Vou deixá-lo descansar. Logo vocês serão levados daqui.
249 viu-a se afastar e, realmente cansado, se deitou no chão morno. Fechou os olhos e cruzou as mãos sobre o peito. Será que em Homeland haveria paz para ele?
Ouviu um barulho alto e abriu os olhos para ver enormes veículos voadores. Ele sabia que eram helicópteros. Desejou que eles o levassem para longe de Mercille, para um lugar que apenas pudesse pensar em paz.
- 249? - ergueu a cabeça e viu Justice. - É hora de irmos.
- Para Homeland?
- Sim.
Justice estendeu a mão para ele e o ajudou a levantar.
-Justice.
- Sim?
- Eu já escolhi como me chamar.
- E qual será o seu nome?
-Jaded (exausto).
- Tem certeza?
- Sim. Os técnicos também me chamavam de selvagem.
Justice pareceu pensar.
- Jaded Wild... É um nome interessante.
Jaded o olhou, esperançoso.
- O que terei que fazer em Homeland?
- O que desejar fazer.
- Aqui me forçavam a aprender.
- Aprender, o quê?
- Tudo.
Justice o observou por um momento.
-Em Homeland você aprenderá apenas o que quiser.
Jaded sorriu para ele. Aquele já seria um bom começo.
- Vamos, amigo.
Jaded caminhou com os outros homens em direção aos helicópteros. No momento de embarcar no aparelho olhou para trás. Nunca mais seria um prisioneiro.
Saltou para dentro do aparelho e seguiu as ordens para sentar. Quando o helicóptero ergueu vôo, se viu inundado pela luz acobreada. Fechou os olhos e se preparou para sua nova vida.

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Jaded: Uma história Novas Espécies 3
FanficJaded é um produto de manipulação genética. Pertence à ONE - Organização das Novas Espécies- um grupo de humanos geneticamente alterados por uma indústria farmacêutica. Ele passou grande parte da vida aprisionado, servindo como cobaia para experimen...