Capítulo 16

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LARA BRACHMANN

Suspiro em desistência. O relógio digital mostra que são três da manhã. Por mais que eu tente dormir, não consigo pegar no sono e rolar pela cama inteira não resolverá meu problema. Minha cabeça não desliga e detesto quando isso acontece. Não consigo tirar Sebastian da minha mente e isso definitivamente é um problema.

Não sou contra os sentimentos românticos. Meus pais se amam muito e minha meta de vida sempre foi ter uma relação semelhante, mas a fantasia de contos de fadas não pode durar para sempre. Em alguma momento a menina deixa de ser uma princesa.

Minha mãe biológica, meu sobrenome, minha família, tudo isso atrai julgamentos e interesses que matam aos poucos qualquer fantasia de final feliz. Por isso a paixão platônica é uma área segura. Posso experimentar todos os sintomas de uma pessoa apaixonada sem o risco de estar realmente enamorada. Meu erro foi me envolver com meu objeto de desejo, isso nos aproximou e agora a paixão deixou de ser platônica.

Isso nunca deveria ter acontecido. Instaurei essa regra para proteção.

Cansada, ascendo a luz do abajur e me levanto da cama, indo até a poltrona para vestir meu robe de seda. Uma vez calçadas as minhas pantufas, saio do quarto e atravesso a casa até o meu estúdio. A escuridão nunca me assustou e eu já conheço o bastante a localização de cada objeto da casa para me preocupar em ascender as luzes do caminho.

Eu só ligo o interruptor quando entro na segurança do meu estúdio. Caminho até a tela coberta por um lençol limpo e o puxo para ver a arte. Nunca gostei de desenhar humanos, paisagens sempre foi minha zona segura, mas depois da noite de luta eu precisava tirar a visão da minha cabeça. Fiz muitos rascunhos em meu caderno de desenho antes de ter certeza do que queria na tela.

Eu ainda não pintei o fundo, por isso Sebastian parece quase descolado da tela. Na pintura ele está de costas, suas tatuagens à mostra da mesma forma que eu pude admirá-las naquela noite. A diferença é que na tela ele está com a cabeça abaixada e o recorte que fiz do desenho só vai até metade de suas nádegas.

Me preocupei tanto com os detalhes de suas tatuagens que esqueci de trabalhar no fundo, mas sei que será escuro, com predominância de preto, com traços mais grosseiros para que o espectador não saiba diferenciar se Sebastian está caminhando na direção da escuridão ou faz parte dela.

Não é justo colocar na tela a resposta que eu mesma não tenho para essa pergunta.

— Caralho! — A voz de Sebastian me faz pular de susto. Eu estava mordiscando meu dedo indicador e quase arranco um pedaço com sua entrada sorrateira.

— Você não deveria estar dormindo? 

— Hora da ronda. — Responde simplesmente. — Este sou eu?

— Sim. — Ignoro o calor crescente em minhas bochechas. — É a visão que eu tive na noite da sua luta.

— Pensei que fosse uma fotografia. — Franze o cenho ao se aproximar para observar a pintura. — Eu sei que você já sabe, mas tem um talento enorme. As tatuagens estão idênticas.

— Obrigada. — A timidez me domina ante seu elogio. — Ainda não está pronto.

— Por que me pintou? — Seus olhos escuros se voltam para mim e preciso engolir em seco.

— Eu não consigo te tirar da minha cabeça. As tatuagens, quero dizer. Elas... elas parecem muito singnificativas e são muito impactantes para passarem despercebidas.

— Comecei a me tatuar como uma forma de contabilizar quantas pessoas eu havia matado. — Dá de ombros. — Antes de completar o primeiro ano como Executor, eu desisti dessa contagem.

— Fazer parte da Organização não é fácil.

— Não apenas isso. — Um meio sorriso nasce em seu rosto e Sebastian dá alguns passos em minha direção, estendendo a mão para acariciar minha bochecha. — Quando você descobrir que tipo de pessoa eu sou, vai mudar a maneira como me olha e não sei se estou pronto para perder isso.

— Sou filha de uma prostituta com um assassino que ganha dinheiro viciando pessoas em jogos de azar. Acha mesmo que estou em posição de julgar alguém?

Essa é uma análise fria da situação. Não que eu tenha vergonha de ser filha do meu pai ou de quem ele é, mas não posso fechar meus olhos e fingir que nada disso acontece. É certo que meu pai toma dinheiro dos ricos, mas isso não o torna um Robin Hood. Seus ganhos são para benefícios próprio e eu também faço uso desse dinheiro, não posso reclamar. Meu pai tem os defeitos dele, há também a questão de sua ocupação, mas ele é um ótimo pai e eu sou muito sortuda por ser filha de Luke Brachmann.

— Eu só estou vivo porque seu tio e seu pai permitiram. — Sebastian deixa sua mão cair do meu rosto e seus olhos perdem o brilho, ostentando um vazio tão grande que ameaça me puxar para dentro. — Meu pai era filho de um Koordinator. Ele era o próximo a assumir o cargo, mas era tão filho da puta em casa que o matei antes que pudesse herdar qualquer título.

— Ninguém morre sem motivo. — Falo olhando em seus olhos. — Minha avó sempre diz isso.

— Ele batia muito na minha mãe e em mim. Ele adorava espancar. Eu sabia que ele era um desgraçado com a minha mãe, mas nunca imaginei a extensão dos danos. Até que uma noite, pela madrugada, eu acordei com os gritos dela. Ele chegou em casa bêbado e tentou forçá-la a transar com ele. Ela não queria e ele decidou bater na cara dela com uma pequena estátua de mármore que tínhamos na sala para decoração até ela ceder. Eu parei de ouvir os gritos pouco depois de sair do quarto para ver o estava acontecendo.

— Sebastian, eu sinto muito!

— Não sinta. Eu mesmo não consigo sentir mais nada. Agora é só uma história triste, como qualquer outra.

— Você viu a cena?

— Eu sabia que ele tentaria me bater, então peguei uma arma que meu pai escondia no quarto dele antes de ir para a sala. Quando cheguei, a minha mãe estava caída, com as pernas abertas e com um buraco sangrento no lugar do rosto. Na hora da raiva, eu destravei a pistola e a descarreguei no meu pai. Eu liguei para o Fagner, que tinha acabado de assumir como o chefe da segurança, ele foi até a casa e me trouxe para os chefes enquanto cuidava da bagunça.

— Eu...

— Por favor, não diga que me entende ou que eu fiz o que era preciso. Eu sou o Executor. No fundo meu caráter não é tão diferente do dele.

— Se seu caráter não fosse diferente você não estaria vivo para me contar essa história, Sebastian. Meu pai e meu tio nunca permitiriam.

*****

Koordinator: título da Organização alemã que é semelhante ao Capo da Famiglia italiana, ou seja, é um tipo de líder que representa o Chefe em determinada área de dominação/poder.

A Artista - Série Mafiosos 0.5Onde histórias criam vida. Descubra agora