A chuva caía incessante, o som das gotas batendo nas folhas das árvores ecoava no ar. Isabella acordou sobressaltada do pesadelo que tivera durante a noite. Ela se via parada no pátio externo, congelada enquanto sua amiga era atacada e morta com golpes de faca por uma figura encapuzada. Suas pernas estavam pesadas demais para que ela se movesse e seus gritos soaram abafados. Apenas ela se ouvia em meio a escuridão macabra que se instalou.
Assustada com o sonho, Isabella olhou ao redor. Uma angústia tomou conta de seu peito quando ela percebeu a cama de Laura vazia.
— Laura? – Ela gritou, olhando ao redor. – Laura, onde você está? Não brinque desta forma comigo. Sabe que odeio isso.
Isabella caminhava pelo quarto, olhando todos os cantos, até o banheiro. Sem obter respostas, ela decidiu deixar o quarto. Talvez Laura tivesse adormecido entre os arbustos, cansada de esperar por Isabella.
Olhando o relógio, ela constatou que ainda faltava um pouco para que os sinos da antiga igreja começassem a badalar. Com o coração batendo forte, Isabella vestiu seu roupão e calçou as sapatilhas para proteger os pés da friagem e saiu do quarto apressada.
O corredor estava vazio e silencioso. Para que não chamasse atenção das monitoras, que ela sabia estarem de pé se aprontando para chamar as alunas, batendo de quarto em quarto, Isabella caminhou na ponta dos pés até a escadaria, por onde desceu. Ela poderia passar pela porta da biblioteca, mas temia que um dos professores já estivesse lá dentro, preparando plano de aula do dia.
Sabendo que a porta principal já estava destrancada, ela passou rapidamente pelo saguão e saiu para a escuridão que ainda dominava o início da manhã. Uma chuva fica caia sobre a cidade e uma névoa tornava o cenário sombrio, mas Isabella não se abateu. Se jongando contra todas as adversidades, ela correu, contornando a torre principal que dava na área externa dos fundos do terreno.
Assim que terminou de realizar a volta, Isabella se deparou com a entrada do jardim amplo, contornado por uma mureta de pedra, era o lugar preferido de todas as alunas. No fim de tarde, elas se sentavam ao redor de mesas de pedra lapidada para conversarem. Outras, desciam uma curta escadaria e se aventuram no bosque ao fundo da propriedade para colher maçãs ou se sentar debaixo de uma das árvores para aproveitar o silêncio, enquanto monitoras tomavam chá sentadas na varanda em frente ao pátio.
A nevoa encobria todo o local e o coração de Isabella batia forte conforme avançava no espaço lentamente, indo em direção aos arbustos no canto próximo às escadas. Era o lugar onde elas costumavam se esconder para fumar e conversar sobre o futuro, além de, Laura, ouvir as vastas histórias de romance que Isabella tanto gostava de contar. Aquele cantinho escondido dos olhares de todos, se tornou o refúgio perfeito para as aventuras de ambas, desde os primeiros anos de amizade.
Isabella piscava, conforme as gotas de chuva, agora mais pesadas, molhavam seu rosto delicado. De repente, por alguns segundos, seu coração parou de bater e Isabella petrificou diante da cena que surgiu a sua frente.
Sobre a mesa principal, comprida o suficiente para caberem até oito meninas sentadas ao longo do banco de pedra, jazia Laura. Com mãos e pés atados, seu corpo simulava a crucificação de Cristo.
— Nãaoo! – Isabella gritou e correu até a mesa. – Acorde, Laura! Acorde!
Desesperada e aos prantos, ela tentou desatar os nós que prendiam os pés e mãos de Laura, mas foi em vão. Ela gritava por socorro, a voz soando estrangulada e as lágrimas se misturando a chuva que caia intensamente.
Julia, uma das monitoras, a mais gentil entre todas, foi a primeira a ouvir os gritos angustiantes de Laura. Ela estava na biblioteca e não pensou duas vezes em se aproximar da enorme janela que dava para a varanda. Afastando a cortina, ela se deparou com Isabella, aos prantos debaixo da chuva. Abrindo a porta com a chave fornecida a todos os funcionários, Julia saiu no pátio.
— Bella, o que faz uma hora dessas no pátio e debaixo dessa chuva? Vamos para dentro ou você ficará resfriada. – Ela avançava na direção de Isabella que chorava descontroladamente. – Oh, meu Deus!
A visão da cena fez Julia parar em choque no meio do caminho.
— Julia, me ajude a tirar Laura daqui! Ela precisa de ajuda!
Julia se comoveu com o desespero de Isabella, mas era nítido que já era tarde demais para Laura. Sua alma já não estava mais naquele corpo. Ela partira para sempre.
— O que está acontecendo aqui? – A voz severa de Rose, a diretora, surgiu cortando o ar. – Santo Deus!
Rose parou ao lado de Julia com a mesma expressão espantada. Isabella chorava copiosamente sobre o corpo da amiga, impotente por não conseguir desatar os nós.
— Julia, tire Isabella daqui. Leve-a de volta ao dormitório e dê a ela um calmante para que durma. Ela está muito abalada e precisa se acalmar. – Disse Rose, endurecendo a expressão. – Peça aos demais monitores que mantenham as alunas no prédio. Esta ala do instituto está proibida por agora.
Assentindo, Julia se aproximou de Isabella.
— Venha querida! Você precisa se aquecer.
— Não, eu não vou a lugar algum sem Laura!
— Querida, eu compreendo seu desespero, mas Laura se foi, precisamos tomar as providências para que ela tenha um funeral digno. – Julia disse, seus olhos marejados. – Laura gostaria que você me acompanhasse ao seu quarto para se trocar. Prometo que, quando ela estiver pronta, você poderá vê-la novamente.
— Promete?
— Prometo!
Abraçando fortemente Isabella, Julia a confortou. Ela passou as mãos pequenas e tremulas sobre os longos cabelos de Isabella, trazendo-a para seu ombro. Por um instante, Isabella chorou abraçada a monitora, que sempre foi muito carinhosa com ela.
Isabella se levantou com ajuda de Julia e saiu carregada pela mesma através da biblioteca. Alguns, alertados pelos gritos de Isabella, se aproximaram das janelas de seus quartos. Monitores passavam pelos corredores anunciando que todos deveriam se reunir no refeitório como de costume.
Enquanto isso, já no andar de cima, Julia ajudava Isabella a tomar um banho quente e se trocar. Enquanto ela chorava debaixo da água, Julia preparava um copo de suco com um pouco de calmante para que Isabella pudesse se acalmar e dormir um pouco. Ela prometeu ficar ao lado de Isabella, até que ela se acalmasse e assim foi feito.
Lá fora, enquanto a diretora tomava as providências sobre o incidente, o silêncio que se instaurou foi cortado pelo som dos sinos da antiga capela, anunciando a chegada de uma nova manhã. Uma manhã que jamais sairá da mente de Isabella.
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Á sombra de um desejo - Coleção Á meia-noite - Livro 01 (Em Degustação)
Gizem / GerilimO policial Augusto Weber é designado para investigar um misterioso assassinato que abala o internato São Gabriel Arcanjo. No centro desse enigma sombrio está Isabella Andrada, uma jovem e bela estudante adolescente. Desde o momento em que seus olhar...