1. O silêncio de Lucas

124 18 4
                                    

☆ Capítulo 1 | O Canto das Estrelas ☆

Às três horas e quatro minutos de uma tarde de verão, no dia 16 de fevereiro de 1997, Lucas Evans Martins chegou ao mundo chorando alto; as perninhas agitadas e as mãos cerradas. Grande e saudável, o menino de voz chorosa e imponente só se acalmou quando foi colocado no seio de sua mãe, exausta e encantada com tudo o que estava acontecendo. O parto em si não fora complicado, mas assustador o suficiente para que Miriam quase entrasse em pânico e o marido desmaiasse — o que quase aconteceu se não fosse pelos enfermeiros. Era o primeiro filho de Miriam e Alberto, um jovem casal recém-casado e ainda inseguro com a vida futura. Apesar de todos os percalços da juventude de ambos, o menino foi uma dádiva divina para os novos pais — e para toda a família, que esperavam ansiosamente pela chegada do bebê.

A primeira moradia terrena de Lucas foi um pequeno apartamento em um bairro de classe média, localizado em um ponto tranquilo e bastante arborizado da cidade. Miriam sempre dizia que, quando tivesse um filho, o queria em meio à natureza — nem que seja em meio às plantas que ela sempre fazia questão de ter na pequena sacada do apartamento. Fora naquela singela morada, localizada no quarto andar do prédio, que Lucas deu os seus primeiros passos, balbuciou as primeiras palavras e teve as primeiras impressões do mundo. Miriam, que havia acabado de concluir a faculdade de Arquitetura, escolheu se dedicar ao filho em seus primeiros anos de vida. Alberto tinha um emprego no centro da cidade, mas o salário não era dos melhores. Se não fosse pela ajuda dos pais de Miriam, o jovem casal passaria por grandes dificuldades. A mãe de Lucas tentara, inutilmente, fazer bolinhos de pote para vender — mas seu talento culinário nunca foi dos melhores. Passara então a dar aulas particulares em casa, já que era ótima em matemática e lidava muito bem com crianças com trauma de números.

Quando Lucas completou dois anos de idade, Miriam engravidou novamente. Quando Luan nasceu, as dificuldades anteriormente amenizadas pela ajuda familiar e rendas extras voltaram. Miriam passou a se dedicar ainda mais aos filhos — sobretudo o recém-nascido, que vivia com febre e chorava a todo momento, principalmente de madrugada. Alberto, estressado pelo longo dia de trabalho, não conseguia dormir e se irritava facilmente. Lucas não tinha lembranças muito claras dessa fase, mas sabia que não durara muito. As visitas ao pediatra, durante os primeiros meses de vida de Luan, não foram tão frequentes. Logo o menino melhorou, crescendo saudável e agitado — ao contrário do mais velho, que sempre demonstrou uma maior serenidade.

As coisas melhoraram novamente. Miriam conseguiu um trabalho de meio período e colocou as crianças na creche — e foi nesse período, quando Lucas saiu de seu ninho confortável e pequeno, que tudo mudou para ele. O menino aos poucos começou a se sentir desconfortável ao falar com os colegas e, especialmente, com os adultos. Ao contrário do que muitos viriam a dizer, não houve uma situação traumática, não houve um momento chave para que a sua voz fosse arrancada de si. Não; ele era apenas um garoto obediente, tímido, inteligente e criativo, que deixava os professores admirados com seus desenhos e atividades artísticas. Nunca foi alvo de advertências, nunca atrapalhou as aulas e nem nunca mordeu nenhum coleguinha. Era um anjo; o sonho de todo professor do primário. No entanto, notava-se sempre algo estranho no menino: Lucas não respondia mais verbalmente, demonstrando sempre um nervosismo que anteriormente não apresentava.

Aos poucos, sua mudez expandiu-se e atravessou os muros coloridos da pré-escola — ele não mais falava com os vizinhos, com seus avós maternos, com pessoas desconhecidas, com os amigos de seus pais. Ele não compreendia porque de repente não conseguia mais falar mais com essas pessoas. Era jovem demais para encontrar uma justificativa ou para vencer aquele estranho medo. O menino tinha apenas três anos. Apenas três anos de idade quando um monstro infeliz de asas cortantes invadiu seu interior e retirou-lhe a sua voz. Fora como um pacto: ele tirou a sua capacidade de falar, mas deu a ele uma salvação: Lucas conseguiria se comunicar com a sua mãe, o seu pai e seu irmão caçula. E talvez, se ele lutasse com todas as suas forças — força a qual uma criança tão nova ainda não portava — ele conseguisse abrir a boca com alguns de seus amigos mais próximos, ou com seus avós.

O Canto das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora