3. Grandes mudanças

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☆ Capítulo 3 | O Canto das Estrelas ☆

Se Lucas pudesse retratar a sua infância em um quadro, usaria todas as cores do arco-íris; com seus tons fortes e mais sutis — contando com a presença do melancólico cinza ou de um vermelho sujo e violento, mas certamente o amarelo alegre e o azul celeste iluminariam os olhos daqueles que admirassem o seu passado. As luzes e as cores alegres se sobressairiam por motivos infantis: ele não tinha que se preocupar com o futuro ou com o que as pessoas achavam dele. O menino só queria brincar, lambuzar-se com as tintas aquarelas e se divertir com bonecos de super-heróis que ganhara de seus avós. Até determinada idade, ele ignorava o fato de que a cada semana, a cada mês e a cada ano deixava aquele pequeno Lucas para trás — deixava-o no berço, nas noites em que subia na cama da mãe e se enrolava nas cobertas quentinha com cheiro de flores, aquele Lucas que a aprendera ler e a escrever; embora as palavras não saíssem de sua boca. E essa parte, ao seu ver, traduzia o cinza melancólico que mancharia a sua obra. A obra de sua vida — mas que, mais tarde, ele descobriria que poderia ele mesmo colori-la da cor que quisesse.

Os momentos cinzentos vieram quando Miriam teve que tirá-lo da terapia por questões financeiras — e por que não via resultados no comportamento de Lucas, que permanecia calado e cada vez mais retraído nas sessões. A mãe estava empenhada em procurar um profissional mais em conta quando Luan adoeceu. No início, os pais acharam que era apenas uma febre passageira, o que era comum na idade dele. As idas ao pediatra tornaram-se frequentes, e Luan só apresentava melhora poucas horas depois das medicações fazerem efeito.

Era comum Luan acordar chorando de madrugada, enjoado, vomitando no quarto que dividia com o mais velho. Quando isso acontecia, Lucas perdia o sono, assustado. Miriam vinha socorrê-lo; e Alberto, sonolento, parava sob o umbral da porta e observava a sujeira que o caçula havia feito. A mãe dava-lhe um banho enquanto o pai limpava o quarto, calado e com uma expressão séria. E assim foi durante algumas semanas — e para piorar, as brigas entre Alberto e Miriam ficaram frequentes. Estavam cansados e preocupados. O pequeno Lucas não compreendia a reação violenta do pai, que não conseguia lidar com a situação.

Em uma madrugada, tiveram que ir para o hospital. Luan passariam por mais uma bateria de exames para tentar descobrir o que ele tinha. Tudo indicava que o menino era propenso a infecções e tinha a imunidade baixa, além da anemia. Lucas não entendia nada — chegara a achar que o irmão ia morrer no dia em que foram parar no hospital. Ele ficou o tempo todo no carro com o pai, já que não podiam entrar. Tentou dormir, mas não conseguiu. Estava muito frio e o estacionamento do hospital era assustador para ele. Estava gelado (apesar das roupas quentes), nervoso, com sono e...com fome. O menino lembrou-se de que não comeu nada antes de dormir, pois nada passava pela sua garganta.

Sua barriga roncou várias vezes, e ele tentou dormir novamente; mas foi em vão.

— Estou com fome — Lucas falou para o pai, que tinha a cabeça encostada no vidro embaçado do carro. Suspirando, Alberto tirou uma nota de dez da carteira e entregou ao menino.

— Vá até lá fora, tem um homem vendendo pastéis na entrada. Estou olhando daqui. — o menino olhou para a nota, e a ansiedade tomou conta dele. — Vá!

Lucas engoliu em seco. Como ele pediria o pastel para o homem? Além disso, aquele lugar lhe dava medo. O pai não parecia disposto a fazer aquilo por ele. Não era raro Alberto tentar colocá-lo em situações que exigisse que ele falasse. Por isso, Lucas evitava pedir coisas para ele. É melhor que terapia, Alberto dizia para Miriam quando esta o advertia. Lucas tem boca, basta abri-la e falar. Enquanto ficamos falando por ele, vai continuar com essa bobagem.

— Não quero mais — Lucas ignorou o dinheiro, encolheu-se junto à porta do automóvel e fechou os olhos. Uma hora depois, Miriam voltou com Luan no colo, todo empacotado por um casaco de frio e por um cobertor. O caçula estava dormindo depois de tomar medicamentos.

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