11. Tempos difíceis

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☆ Capítulo 11 | O Canto das Estrelas ☆

Lucas nunca chegou a se comunicar com Eliza através da escrita. Quando ainda não conseguia falar com Pedro, costumava escrever para ele — mas sentia-se íntimo o suficiente para fazer isso. As pessoas não entendiam que qualquer tipo de comunicação era complicada para ele; sendo a verbal o seu maior obstáculo. Assim, viu-se envergonhado só de imaginar indo atrás de Eliza e para entregar-lhe um papel. E o que ele escreveria? Lucas não tinha nada a dizer. Preferia guardar para si mesmo os seus medos bobos e infantis. Apesar disso, era uma boa sensação estar na presença de Eliza quando esta vigiava-os no recreio ou ficava na sala na ausência de algum professor.

Mas a proteção indireta da moça não impediu que os garotos começassem a importuná-lo de forma ainda mais agressiva. Longe dos olhos de qualquer funcionário da escola, Mateus e seus três amigos começaram a rodeá-lo enquanto Lucas lanchava. No início, apenas olhares e risos de deboche enquanto brincavam no parquinho. Depois, Mateus começou a se aproximar do menino; sentado em um banco de concreto próximo às palmeiras.

— Oi. Você pode me dar um biscoito? — o menino pediu, acomodando-se ao lado dele. Lucas achou aquilo estranho. Por que Mateus estava tentando ser amigável com ele?

Lucas deu-lhe um biscoito, temendo alguma reação negativa caso negasse o pedido.

— Eu também quero — um de seus amigos colocou a mão na vasilha de Lucas sem autorização, pegando um dos biscoitos açucarados. O terceiro riu, fazendo uma careta; como se comer algo de Lucas fosse a coisa mais nojenta do mundo.

O menino teve medo de fechar a vasilha, passando a imagem de um egoísta. Ben sempre ensinou aos meninos a compartilhar o que se tem, se for necessário. Mas Lucas não tinha maturidade para compreender que tudo tinha limites. Não podia dar tudo e ficar com nada, prejudicando a si mesmo. Naquele dia, o menino ficara sem os seus biscoitos açucarados; seu único acalento.

Sem agradecer, os meninos saíram rindo. Mateus, ainda mastigando os biscoitos de Lucas, falou algo para o outro colega; que gargalhou olhando para trás. Lucas sentiu-se um lixo. Queria não ter entendido a intenção dos meninos, mas conseguiu escutar um deles perguntando a Mateus, em tom de brincadeira:

— Ainda consegue falar?

— Sim. Não pega — o amigo respondeu.

Não pega. Lucas ficou alguns segundos tentando entender o que ele queria dizer com aquilo. Não demorou muito para que o menino se desse conta que havia acabado de ser vítima de uma experiência — queriam comer o biscoito de Lucas para saber se sua mudez era contagiosa. Ou, simplesmente, queriam comer o seu biscoito pois sabia que Lucas cederia.

O garoto deu-se conta de que ele era visto, por algumas crianças, como alguém com uma doença contagiosa. Não era assim quando era mais novo... Por que os colegas pareciam cada vez mais maldosos conforme os anos passavam? Ou será que era Lucas que, aos poucos, abandonava a infância e começava a enxergar a maldade do mundo e das pessoas?

Comer seus preciosos biscoitos não foi a única investida de Mateus e seus amigos. Suas falas aparentemente amigáveis e sorrisos falsos foram substituídos por outras exigências. Lucas sempre comia seu lanche rápido, escondido em outra parte da escola, mas os garotos sempre o achavam. O estômago do menino se revirava quando eles se aproximavam.

— Você é folgado, sabia? — Mateus disse certa vez, cercando-o no canto da parede que havia sentado para lanchar. — Todo mundo é obrigado a apresentar trabalho e ler em voz alta, menos você.

— Nós sabemos que você fala. Luan nos disse — disse outro garoto. Lucas recusava-se a olhar para eles. Começou a tremer, o que parecia satisfazer Mateus. Por que Luan tinha que falar sobre ele para aqueles garotos?

— Está parecendo uma menininha tremendo — Mateus bravejou. — Corta esse cabelo, viadinho.

Com gargalhadas agudas e maldosas, os meninos se afastaram, correndo em direção à quadra. Lucas teve vontade de vomitar todo o lanche que comeu às presas. Desejou, pela milésima vez, que Pedro estudasse na mesma escola que ele. Assim, talvez, não se sentisse tão desamparado, tão vulnerável. O irmão e amigo estudava em outra escola, e Ben costumava buscá-lo primeiro antes de ir ao encontro de Lucas e Luan. O padrasto já havia pensado na possibilidade de mudá-lo de escola, mas o filho parecia resistente. Pedro tinha muitos amigos no colégio em que estudava e era egoísta demais da parte de Lucas querê-lo só para si; só para protegê-lo e não deixá-lo só.

Foram tempos difíceis para ele. Quando chegava em casa e ia direto para o banho, chorava baixinho. Odiava se olhar no espelho; para aquele cabelo estranho, para aquele rosto tenso que não parecia lhe pertencer. Lucas estava mudando. Não queria nem lembrar que, em breve, faria doze anos. Doze anos! Não era mais tão criança quanto gostaria, apesar de ainda ter hábitos infantis e sentir-se uma criança. Porém, ele não tinha mais tanta vontade de pintar ou de brincar com os irmãos quando ficava desanimado.

Quando sentia-se mal, costumava escapar de casa e ir para o lote que ficava do outro lado da rua. Árvores esparsas, pouco mato e muita terra vermelha. Havia uma árvore em específico que Lucas gostava de subir e se sentar em um de seus galhos. Os meninos costumavam brincar muito por ali — Pedro dizia ser o bosque principal do castelo — apesar de não apresentar nem a metade da beleza que o irmão descrevia. Sozinho, acima do chão, Lucas observava o pôr do sol e as primeiras estrelas surgirem no céu. As cigarras, insetos muito comuns naquele bairro, começavam a cantar alto. A primeira estrela surgiu no céu — brilhante, imponente e solitária. Como Lucas.

O menino viu-se conversando mentalmente com ela. Falava sobre a escola, seus pais e a solidão que sentia vez ou outra. E, sobre aquele último assunto, aquela grande estrela parecia entender bem: pois ela era a primeira a surgir no céu e a última a ir embora, sempre acompanhando Lucas; apesar da distância. Aqueles momentos não eram tão melancólicos, entretanto. O garoto gostava do som das cigarras, das cores que pintavam o céu e o brilho das estrelas espalhadas pelo cosmo.

As estrelas... Às vezes, Lucas jurava que podia escutá-las cantando também. Mas não só os astros e as cigarras cantavam — lá embaixo, na singela sala de pisos floridos, o padrasto tocava uma bela melodia em seu piano. Nem tudo era cinza ou preto demais, afinal. Ainda haveria mundos imaginários a serem explorados e biscoitos açucarados a serem degustados. No entanto, tudo aquilo seria melhor se Lucas fosse diferente. Todos aqueles problemas que enfrentava na escola e na vida social, em geral, eram culpa dele.

As cigarras começaram a cantar alto demais para os seus ouvidos, e o menino voltou para casa. No dia seguinte, teria que enfrentar mais um dia de aula — e, quem sabe, mais ameaças de seus injustiçados colegas.

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