☆ Capítulo 12 | O Canto das Estrelas ☆
O garoto sempre teve um pouco de medo das cigarras. Sobretudo de suas carcaças abandonadas no tronco das árvores, como fantasmas estáticos. Lucas observava aquelas estranhas criaturas penduradas no tronco das árvores do jardim. Havia estudado em Biologia, recentemente, sobre a troca de pele das cobras e a metamorfose das borboletas; mas era um tanto assustador observar aquelas carcaças vazias, sem vida.
Ben, que comprara balanços para instalar no jardim, estava com as mãos apoiadas na cintura; tentando entender como colocaria aquilo de pé. O mais novo membro da família — Mozart, um filhote peludo que fisgou Ben em uma feira de adoção de cães resgatados — saltava na grama como uma pulga feliz. Miriam, como o esperado, havia desaprovado a ação impulsiva de Benício — mas, diante de seus elegantes argumentos, a mulher logo cedeu.
— Acho que me superestimei em demasia — admitiu o padrasto, pegando o filhote no colo e beijando-lhe a barriga rosada. — Melhor chamarmos um técnico para instalar esses balanços. Já escolheu a sua cor, Lu?
Lucas não olhou para ele. Permaneceu observando a carcaça do animal a uma distância segura; como se a qualquer momento a criatura pudesse saltar em seu rosto.
— Sim — Lucas demorou para responder. — Azul.
— O que observa tanto? — Ben aproximou-se, curioso. Parou atrás de Lucas, inclinando-se. — Ah, a cigarra! É a sua carcaça, ela não está morta. Apenas deixou o esqueleto externo, ganhando um novo corpo com asinhas. Não é interessante?
— Não sabia que elas eram como as cobras e borboletas — Lucas murmurou. — Por que também não somos como as cigarras?
— Ora, nossas células mudam a todo momento. Assim, nosso corpo nunca é o mesmo de antes — Ben esclareceu. — Estamos em constante mudança.
— Mas continuamos as mesmas pessoas... Não podemos ser outras pessoas? — o menino murmurou. — Eu queria poder nascer de novo.
— Por que deseja isso, meu menino? Nascer dá trabalho! E crescer ainda mais — ele riu, acariciando os longos cabelos do menino. — Vamos, estou louco para montar esses balanços e pintá-los! Você me ajuda?
Lucas apenas assentiu. Tentou animar-se com os novos planos de Ben — há tempos ele queria comprar balanço para os meninos — mas ele não parava de pensar na carcaça da cigarra e o quão injusto aquilo era. Ben não entendera o que ele queria dizer. Ele não queria que suas células mudassem, ele queria ser outra pessoa. Às vezes, Lucas se perguntava por que ele havia nascido; por que ele era daquele jeito: esquisito, feio e calado. Sua mãe não achava isso, é claro. Achava-o lindo — mas que mãe não achava o próprio filho bonito? Lucas não levava os seus elogios em consideração.
Sua pré-adolescência batia à porta, mas o menino ainda se sentia uma criança. No entanto, conforme seu aniversário de doze anos se aproximava, Ben fazia questão de lembrá-lo de que ele estava se tornando um mocinho — assim como Pedro, que completara essa idade antes dele. Contudo, havia uma diferença clara entre eles: o mais velho parecia bem mais maduro. Pedro havia crescido muito — estava mais alto, mais confiante, e o jeito infantil desaparecia aos poucos. Todos diziam que Pedro parecia mais velho do que realmente era, pois seu jeito era de um garoto de quinze.
As súbitas mudanças de Pedro não o impediu de continuar suas aventuras — ele ainda contava histórias, lia livros e quadrinhos de fantasia, brincava com os irmãos e adorava repetir os mesmos filmes infantis. Lucas, por outro lado, era muito diferente. Não era inteligente e bonito como Pedro; nem tão popular e extrovertido quanto Luan.
Apesar de não perceber muitas mudanças abruptas em si mesmo, Lucas temia crescer. Quanto mais os anos passavam, mais o menino era pressionado a falar. Ninguém mais achava engraçadinho o fato dele não responder às perguntas — deixando com que os pais respondessem por ele. Em contrapartida, não gostava nada de falar sobre aquele assunto. Miriam ainda tentava convencer Lucas a fazer terapia; mas ele tinha duas reações: ou entrava em fúria, ou desviava-se do assunto. Esquivava-se de seu problema, convencido de que não havia solução para ele. E crescer só o lembrava disso: se tornaria um adulto inútil, esquisito e eternamente dependente dos pais.
Ele não estava nada animado para o seu aniversário de doze anos. Mas seus queridos irmãos tinham planos diferentes para aquele dia especial — além de uma festa surpresa, Lucas foi vítima de um ataque de ovos e farinha. A princípio, o menino sentiu-se irritado, mas depois entrou na brincadeira deles. Miriam, que não sabia do plano dos meninos, ficou chocada com o desperdício de ovos e farinha — além de considerar aquela brincadeira um tanto ultrapassada e infeliz. Mas as crianças, incluindo o aniversariante, estavam se divertindo.
Para o azar de Lucas, um dos ovos estava podre.
— Eca! — Luan saiu rapidamente de perto enquanto o mais velho observava o próprio corpo; as roupas molhadas de gema e brancas de farinha. Colocou a mão sobre a cabeça, onde o ovo fedorento havia caído. — Tá podre!
Pedro colocou a mão na boca. Lucas correu para a mangueira instalada no jardim, lavando-se desesperadamente.
— Pedro, você me paga! — Lucas não sabia se ria ou chorava. Beethoven latia, feliz, cheirando a bagunça que as crianças fizeram no jardim.
— Foi mal, eu não sabia que... — o irmão reprimiu uma risada e tampou o nariz. — Não sabia que estava podre! Mas isso é um bom sinal!
— Bom sinal?! — Lucas cuspiu farinha da boca. — Isso é um péssimo sinal!
Depois que Lucas foi obrigado a tomar banho e lavar bastante o cabelo, eles riram do ocorrido enquanto se lambuzavam de salgadinhos e doces. Pedro e Luan haviam organizado a pequena festa em família: balões azuis, brancos e vermelhos, uma mesa coberta de salgadinhos e brigadeiros e um bolo de chocolate. Uma vela com os números 1 e 2 foram acesas e apagadas sem ninguém cantar Parabéns pra você. Ganhara alguns presentes: pincéis novos, livros e algumas roupas; já que a maioria parecia pequena demais para ele.
Apesar do mau humor inicial, foi um bom dia. Os meninos festejaram até o anoitecer, brincando de bola e banho de mangueira. Antes de dormir, reuniram-se no quarto para assistir a um filme escolhido por Lucas e comeram pipoca feita por Ben — tão apetitosa quanto pipoca de cinema. Contudo, passada toda a distração da diversão e guloseimas, o menino voltou a ficar pensativo.
Debaixo das cobertas, Lucas fez um pedido aos céus: desejou nunca chegar à fase adulta. O garoto, mesmo com pouca idade, não via um futuro para si mesmo se permanecesse daquela forma. As coisas estavam mudando mais rápido do que ele gostaria; seus problemas aumentavam e a pressão para que ele falasse também. Quem ele seria em uma década? Quem ele queria ser? Lucas seria para sempre o garoto que não fala?
Com a mente presa àquelas indagações, o menino pegou no sono. Sonhou que estava na escola, falando com professores e colegas; afrontando Mateus e seus amigos. Tão confiante de si mesmo; sem medo e ansiedades apertando o seu peito. Ele queria tanto ser aquele Lucas. Quando é que conseguiria achá-lo dentro de si?
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Canto das Estrelas
General Fiction★ Livro extra - Complementar a "O Canto dos Pássaros"★ Aos três anos de idade, o pequeno Lucas desenvolveu um transtorno de ansiedade que o impedia de falar a maior parte das pessoas. Desconhecendo a causa, o menino cresceu em seu angustioso silênc...