18. O canto das estrelas

24 11 2
                                    

☆ Capítulo 18 | O Canto das Estrelas ☆

A mudança foi inevitável. Um mês após Benício anunciar que haviam achado a casa ideal para a família, eles se mudaram. Lucas sentiu-se em uma montanha-russa de emoções — às vezes, estava convencido de que a mudança seria positiva para todos (inclusive para ele), outras vezes, sentia-se ansioso e melancólico. Uma semana antes da mudança definitiva, o rapaz passou a maior parte do tempo aproveitando os últimos dias naquela velha e acolhedora casa na qual crescera. Guardava boas lembranças daquele lugar — as preciosas árvores, o jardim, o cheiro de pipoca invadindo a sala, as sessões de cinema que fazia com os irmãos, as ruas arborizadas e os locais aos quais os meninos se aventuravam com suas bicicletas. Naquele momento, aquelas pequenas coisas eram apenas lembranças. Há tempos os meninos — agora três enormes rapazes — não se aventuravam ou se deliciavam com pipocas amanteigadas, não corriam atrás dos cachorros ou subiam nos muros. Todas aquelas lembranças passaram pela tela mental dele em segundos. Para além das boas memórias, ele também esperava deixar para trás aquela criança que fora um dia — a qual ele ainda maltratava; culpando-a pelas angústias que dominavam sua juventude.

No final, Lucas acabou aceitando a mudança como uma forma de manter distante aquele menino estranho e mudo. Quem sabe, na nova casa, um novo Lucas nasceria? Ele não sabia como aquilo seria possível, mas alimentou aquela possibilidade até que toda a mudança fosse feita. Apesar da resistência inicial, o rapaz gostou da casa nova — um pequeno sobrado de dois andares, localizado em um condomínio agradável e pequeno. O jardim não era tão grande quanto o da antiga casa, mas era o suficiente para que os cachorros se divertissem e para que a família se reunisse em um lanche ao ar livre.

O rapaz observou o quarto que dividiria com Pedro. As janelas do aposento dava para a rua principal, e havia um banheiro só para eles. Caixas de papelão com seus pertences estavam espalhados pelo chão, mas as camas já haviam sido montadas. Exausto, Lucas se jogou no colchão e suspirou. Deixou com o que o corpo cansado se fundisse à cama macia, os olhos fixos no teto desconhecido. Um novo quarto, uma nova casa. Uma nova vida. No entanto, Lucas sentia-se o mesmo de sempre. Ele queria que as mudanças internas fossem tão fáceis quanto as externas. Queria separar as partes de si mesmo que não mais usaria e jogá-las fora. Queria encaixotar tudo aquilo que não pretendia usar dali para frente, como seus medos e incertezas.

Mas a mudança interna era mais complicada do que ele imaginava. No fundo, ele sabia que preferia ficar na zona de conforto; pois sabia que mudar significava enfrentar aquilo que ele mais temia — falar com as pessoas. Ao passar dos dias, os vizinhos foram conhecendo os novos moradores e ficaram cientes da mudez de Lucas. O rapaz preferia que ninguém tivesse aquela informação, mas não foi possível esconder-se por muito tempo. Logo ele foi chamado para fazer alguns trabalhos dentro do condomínio, como cortar grama e limpar os jardins — já que a maior parte dos moradores eram idosos, gentis e generosos, que ofereciam bolinhos e suco para Lucas.

Apesar de não ser um trabalho formal e não ganhar um salário fixo, o rapaz sentia que estava fazendo algo útil. Para ele, não era um trabalho, e sim uma ajuda aos seus vizinhos — que, na inocência, incomodavam Lucas com seus comentários e brincadeiras sobre a sua mudez. Lucas não os culpava, entretanto. Estavam fazendo-lhe um favor. Ele chegou até mesmo a pintar alguns muros e ajudar na coleta de lixo do condomínio, mas recusava-se a procurar por outros trabalhos para além da portaria. Havia passado várias vezes por sua cabeça tentar arranjar um emprego, mas só a possibilidade de fazer um currículo deixava-o aterrorizado. E quem contrataria alguém que não falava?

O quão útil era um cara de dezoito anos que não abria a boca? Quem pagaria um salário para um rapaz de dezenove que ficava o tempo inteiro com fones de ouvido, a cabeça baixa e mal conseguia olhar nos olhos do outro?

O Canto das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora