8. Imaginação e música

29 10 3
                                    

☆ Capítulo 8 | O Canto das Estrelas ☆

Um dia, o menino estava sentado ao lado do padrasto diante do velho piano. Ben explicava-lhe o básico sobre o amado instrumento — escalas maiores, escalas menores, e outros termos que Lucas não chegou a decorar. Ele queria muito aprender a tocar um pouco, mas tinha vergonha. Observava a destreza na qual Benício tocava; seus dedos praticamente flutuavam pelo teclado. Eram nesses momentos que Ben tentava abordar o assunto que o menino tanto se desviava, mas de forma metafórica. Lucas não chegou a desconfiar, na época, que ele queria se referir à sua mudez com toda aquela história de música clássica.

— Minha mãe era uma exímia pianista. Aprendeu com o avô — ele contava a Lucas. — Sabe por que amo tanto a música clássica? Além de apurarem meus ouvidos já naturalmente excelentes, não há necessidade de se expressar através de uma voz. Os instrumentos fazem isso por si só! Isso não é incrível? — Ben tocou algumas notas. — Assim, estamos mais livres para interpretar o que o compositor quis passar com a melodia. Também somos assim. Nossos olhos são como violinos, nossas mãos são como teclas de um piano, nosso sorriso como um belo violoncelo!

Lucas assentiu, fitando as teclas; pois não conseguia olhar para Ben enquanto ele falava. Queria perguntar ao padrasto o que era um violoncelo. Luan, sentado no tapete brincando com carrinhos, escutava a conversa com uma expressão engraçada; como se dissesse: Quê? Com um sorriso, Ben perguntava ao mais velho se ele queria tentar tocar um pouco. Do-ré-mi-fá. Do-ré-mi-fá, Lucas repetia em sua mente enquanto Ben tocava as quatro primeiras notas. No entanto, tinha tanta vergonha de errar aquela simples escala que recusou-se a tentar.

O menino se envergonhava de muitas coisas — algumas pareciam bobas demais — mas ele tinha os seus motivos para isso. Quando completou nove anos e foi para a terceira série do fundamental, uma grande quantidade de alunos novos passou a fazer parte de sua turma. Era sempre a mesma coisa: os novos colegas queriam saber porque ele não falava e, até se acostumarem com ele, Lucas passava por muitos momentos constrangedores. Um deles foi quando ele teve que segurar um cartaz diante de toda a sala, com o seu grupo de trabalho, e sentiu que todos os olhares se dirigiam a ele. Aqueles rostos, por mais que fossem familiares e infantis, o aterrorizavam. Lucas não teve que falar nada; apenas segurar o cartaz, mas fora uma tortura para ele. Sua barriga doía, e o enjoo tomava conta de todo o seu corpo. O cartaz que segurava tremulava pelo contato com suas mãos instáveis. Como se já não bastasse, alguns garotos riram — dois meninos novos se juntaram ao veterano que costumava importuná-lo vez ou outra.

— Mateus — a professora advertiu. — Vou mandá-lo para a diretoria se continuar rindo. Preste atenção ao trabalho dos colegas, por favor!

Lucas engoliu em seco. Todas as vezes que olhava para aquele garoto, lembrava-se do episódio da educação física; quando pediu que Antônio jogasse a bola nele. O menino tentava ao máximo ficar longe daquela criança maldosa, mas era difícil quando conviviam no mesmo ambiente. Na maior parte do tempo, porém — para a sua sorte — Mateus estava ocupado demais conversando com os colegas e importunando as meninas.

A professora não percebeu os olhos marejados de Lucas; que, assim que a apresentação terminou, foi com passos apressados até a sua carteira. Alguns colegas continuaram encarando-o, mas o menino permaneceu com o olhar baixo. Estava sentado entre duas garotas novas — o que era péssimo, pois uma delas não parava de olhar para ele quando tinha a oportunidade.

— Por que você não fala? — a garota perguntou naquele mesmo dia, curiosa. Lucas sabia que não era por maldade. Mas estava tão cansado daquela pergunta! Todo ano era a mesma coisa. Uma pergunta idiota, pois era certo de que ele não responderia.

O Canto das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora